Sombras de Silêncio #360

Ao vê-lo, Manel deixou a companhia da mãe e foi logo ter com ele. Manel trazia a mesma vestimenta de sempre, fato-de-treino vermelho com riscas azuis, enquanto os pés baloiçavam num excesso de botas. Girolme e Manel aproveitaram então para meter a conversa em dia. Entretanto, o pároco chegou na sua motorizada. Depois de uma breve cerimónia, as pessoas organizaram-se para a procissão, que foi encabeçada pelo estandarte com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. O padre seguia a meio do cortejo, orientando as preces, e um estandarte com a imagem de Nossa Senhora da Vitória finalizava o cortejo. Todos levavam a sua vela acesa. Girolme seguia atrás de Manel, agradado de sobremaneira por reencontrar naquela terra longínqua tanta piedade. O melhor de tudo era que a viagem a pé até à celebração ficava mais curta daquela que fizera para Fátima. Pensou depois, e enquanto ainda caminhava pelas ruas, que Nossa Senhora deveria ter idealizado os locais das aparições em pontos nevrálgicos do país para facilitar a vida aos crentes.

A procissão terminou com uma pequena homilia em frente da capela e os homens foram depois tratar de assuntos mais mundanos na taberna da aldeia. As mulheres regressaram a casa num chorrilho de intrigas. Girolme e Manel sentaram-se à conversa no balcão que contornava a pequena capela, discutindo alguns aspetos da vida local. Ao lado divagava-se sobre o que mudaria após a revolução. Com palavras pequenas adiantava-se que um dos habitantes, suspeito de ser informador da antiga polícia política, teria de encontrar outra fonte de rendimentos.

Luís, depois de alguns esclarecimentos sobre o novo pastor da quinta, aproximou-se de Girolme e disse-lhe que estava de regresso à quinta. Deixou-o à-vontade para os acompanhar ou ir mais tarde. Contudo, informou-o que pela manhã iriam retirar o estrume do curral. Perante a insistência de Manel, Girolme acabou por ficar, apesar de recear a caminhada na solidão da noite. Acompanhando a nova procissão, os dois seguiram até à taberna da aldeia. Sentaram-se a um canto e continuaram a conversa de disparidades. Manel aproveitou também para vencer dois copos de vinho. Um dos clientes da taberna era bastante espalhafatoso, batendo na mesa conforme o jogo das cartas lhe ia tramando o dinheiro. Tinha um rosto rude, de barba e cabelos desleixados. Manel elucidou Girolme que aquele também era um pastor, de seu nome Geadas. Vivia numa aldeia próxima e era conhecido pela facilidade com que se envolvia em picardias. Gabava-se ainda de trazer sempre consigo todo o dinheiro que tinha e gostava de o distribuir pelos vícios. Girolme ouvia com curiosidade as histórias, atento a tudo o que se dizia e fazia na taberna, albergue de motivações e confluência de amizades. Na rua, proibidos de entrar, os rapazes enganavam o frio a conduzir velhos pneus de bicicleta.

Sombras de Silêncio #360

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