Esta é a terceira viagem pela Terra. Após amolecer as diferenças iniciais, sinto-me cada vez mais integrado. A humanidade está longe da perfeição evolutiva, mas possui idiossincrasias muito interessantes que continuarei a explorar. Como referi anteriormente, talvez mais por instinto do que por intenção fundamentada, acabei por ir parar a Portugal, um país que se prepara para ir às urnas decidir o seu futuro. Longe vão os tempos da monarquia, mas subsiste uma realeza camuflada na política nacional e o poder vai passando alternadamente entre famílias políticas de dois quadrantes distintos. Em democracia os cidadãos têm a oportunidade de escolher os seus representantes. Porém, tal pode não garantir necessariamente a representação das suas intenções. Com a passagem do tempo, a política vai moldando os seus atores e muito pode mudar desde que o eleitor deposita o seu voto até que uma lei é aprovada.
É comum os portugueses queixarem dos seus políticos. Contudo, a desconfiança que os portugueses têm dos seus políticos é na verdade a desconfiança que os portugueses têm de si próprios. Para o melhor e o pior, os políticos representam as sociedades que os elegem. O problema é que neste país parece haver um compromisso tácito para cada um se safar conforme as oportunidades vão surgindo. Existe até um verbo dedicado: “Desenrascar”. Apesar de existir claramente uma unidade nacional, cosida pela geografia linguista e por largos séculos de história, não parece existir a ideia do bem-comum. Existe naturalmente um contexto para que tal aconteça. Os baixos salários e a corrupção visível nas altas esferas do poder político e financeiro fazem com que os cidadãos sejam “empurrados” para encontrarem formas mais ou menos criativas de fugirem às suas obrigações. No limite, é sobretudo uma questão de escolha.
É sabido que não existe sistema político perfeito. A democracia republicana parlamentar talvez seja o mais justo. Os políticos podem ser tão bons ou maus consoante os cidadãos que os elegem. Poder-se-ia talvez inverter o paradigma, fazendo com que os políticos elegessem os cidadãos para tomar decisões por maioria em consultas populares frequentes. Seria melhor ou pior? Depende, para tal é necessário possuir uma população informada e interessada em participar no modelo decisório. A julgar pelas escolhas recentes, os portugueses preferem delegar responsabilidades, mas depois não se coíbem de criticar quem lhes decide a vida.
A política em Portugal divide-se entre direita e esquerda. Mas afinal o que significa ser de direita ou de esquerda? Inicialmente perdi-me a olhar para as mãos à procura de pistas. Descobri depois que os termos derivam do período da revolução francesa. Aquando da primeira assembleia pós-revolução, os progressistas sentaram-se à esquerda da sala, enquanto os conservadores ocuparam as cadeiras mais à direita. Desde então, tanto em monarquias parlamentares como em repúblicas democráticas, a divisão casuística serviu para aprofundar diferenças ideológicas. Mas será que em Portugal essas diferenças são tão marcantes? Talvez apenas nos partidos extremistas. Os partidos que têm governado o país colocam-se ao centro, na faixa de cidadãos que consecutivamente têm decidido as eleições através da alternância do seu voto, de acordo com as desilusões e as esperanças. Assim, acaba por ser uma amálgama retorcida de visões políticas que se altera consoante as perspetivas evoluem e os cidadãos exigem.
A campanha eleitoral decorreu sem grandes sobressaltos. Ajudada pelo panorama da instabilidade grega, a coligação PSD/CDS conseguiu recuperar alguma da confiança perdida ao longo dos quatro anos de austeridade. Terá parecido aos portugueses que apesar de a situação ser má, outros estavam num cenário ainda pior. Por outro lado, o PS parece não ter conseguido dinamizar a insatisfação em torno de uma mudança necessária. Da campanha ficou também uma pergunta que entreteve o eleitorado: “Afinal, quem chamou a Troika?”. Parece-me evidente que a chamada saiu de quem não queria com a pressão de quem queria. Talvez não existam assim tantas diferenças entre ambos. Enquanto Bloco de Esquerda e CDU tentam aumentar o seu número de deputados e conquistar poder decisório, as outras forças políticas esmeram-se em conseguir representação parlamentar apostando numa diferenciação ideológica e campanhas de marketing político direcionado. Para os indecisos, entre a panóplia de ideias e distrações, poderá dar jeito consultar um guia eleitoral para desbaratar as dúvidas. A dois dias das eleições apenas resiste uma certeza: o inverno está a chegar.
Em cada eleição pretende-se esquecer o passado e roubar a esperança ao futuro. Por mais frágil que seja, a expetativa de um mundo melhor reinventa-se através do voto. Honre-se e promova-se então a liberdade dessa forma. Vote-se, o futuro é agora!