Aqui na Terra a vida continua. Que eu saiba ainda ninguém deu conta da minha presença. No país que me acolheu, os portugueses andam distraídos com a formação do novo governo. As opiniões dividem-se entre entregar o poder à coligação que obteve mais votos e mais deputados nas eleições ou escolher um governo que permita alguma estabilidade através de uma coligação que represente uma maioria parlamentar. Como percebo pouco de política ou de politiquices e ainda me estou a habituar a esta nova realidade, decidi ir à procura de opiniões relevantes que me ajudassem a formar uma posição sobre o assunto. Acabei contudo por desistir ao aperceber-me que as opiniões divergem consoante a orientação política. Curiosamente, basta recuar alguns anos para descobrir que os mesmos políticos que agora se digladiam pelo direito de governar tinham opiniões antagónicas às atuais. É sabido que nada na política é irreversível e o Homem tem uma tendência insuperável para desacreditar que o bem comum é mais importante do que o interesse pessoal.
A política é a arte de estabelecer compromissos e convencer o eleitorado. Como o eleitorado não foi unânime sobre o rumo a seguir, os políticos perfilam-se para clarear as indecisões. Ambas as partes anunciam que a motivação é procurar o que é melhor para o povo. Contudo, tal poderá ser difícil de conseguir, uma vez que nem o próprio povo soube definir o que é melhor para si. De qualquer forma, o tempo clarificará o que é melhor para alguns. Os outros, fazendo jus a uma idiossincrasia muito portuguesa, que se desenrasquem!
Ainda sobre o processo eleitoral, retenho com alguma incompreensão a burocracia associada. Numa era em que a tecnologia é cada vez mais uma presença constante no dia-a-dia, certos processos parecem presos ao século passado. É inadmissível que os cidadãos tenham de percorrer dezenas de quilómetros e ficar várias horas em filas de espera para exercer um direito cívico. Existem ainda aqueles a quem foi negado esse mesmo direito. É tempo de o voto eletrónico chegar às eleições! Para tal bastaria respeitar os moldes e as leis do voto em papel. Os portugueses já usam a informática para ir ao banco, às finanças, à segurança social e até para colmatar os desejos mais íntimos, por que razão continua a ser adiada a possibilidade de votarem no conforto do seu lar? A abstenção certamente iria diminuir. Tal não implicaria que o voto em papel deixasse de existir, sendo dada a possibilidade de escolha. Proponho uma experiência, através de um referendo a ser realizado eletronicamente, sobre o voto eletrónico!
A vida política e judicial portuguesa vive ensombrada pela prisão de um ex-primeiro ministro. Existirão alegadamente indícios sobre crimes praticados por José Sócrates. Não compete à opinião pública aplicar a justiça, mas a humanidade parece sentir um prazer perverso em ver cair em desgraça quem já foi bem-sucedido. Também aqui as opiniões se dividem consoante o quadrante político e não é fácil definir certezas. O povo, na dúvida, gosta de recorrer ao adágio “onde há fumo há fogo” e na praça pública já não existem pelourinhos que cheguem para os julgamentos. Para lá das incertezas, fica a convicção, talvez irrevogável, que a política e a justiça não são independentes entre si. Entre a justiça e a comunicação social também existe alguma promiscuidade, alimentada por ambas as partes consoante os benefícios. A política é como uma mulher que contraiu matrimónio com o povo mas manteve a justiça e a comunicação social como amantes, tanto para defender interesses como para combater a monotonia. Enquanto não são descobertos, todos são felizes, incluindo o povo iludido. Os problemas podem surgir quando as amantes começam a fazer exigências!