Saltando de buraco negro em buraco negro, resolvi ir explorar a galáxia U-587. Bem, na realidade esta galáxia é também conhecida por Via Láctea. Para simplificar as questões da nomenclatura, vou optar por usar os novos termos. Estando então nesta galáxia, fui em busca de um sistema solar que me pareceu promissor. Ao aproximar-me da sua estrela radiante avistei no firmamento um pequeno ponto azul e desde logo suspeitei que estaria prestes a encontrar um planeta com vida. Não demorou muito tempo para que o computador da nave validasse as minhas suspeitas. Este planeta é conhecido, pelos seus habitantes, como Terra. Tal causou-me alguma admiração, pois o nome mais adequado seria Mar, já que o planeta está maioritariamente coberto por água. Mas pronto, não nos percamos em contradições e mantenhamos um espírito aberto. A viagem de descoberta do planeta Terra e dos seus habitantes está prestes a começar!
A Terra é um planeta relativamente pequeno, mas ainda assim tem uma lua. Apesar de já possuírem uma ideia sobre a contagem do tempo universal, os terráqueos preferem contar o tempo a partir de datas de acontecimentos importantes. Contudo, tal não foi uniformizado. Enquanto uns vão no ano 2015 outros já vão no ano 4713. De qualquer forma, como pode ser observado, são ainda umas crianças! Os dados técnicos sobre o planeta serão posteriormente enviados pelo computador da nave. Foquemo-nos pois na vida! Como desconhecia o desenvolvimento tecnológico dos habitantes da Terra, resolvi deixar a minha nave escondida no lado oculto da Lua. Defini depois um local no planeta que me pareceu interessante e teletransportei-me para lá. Acabei por ir parar a um sítio chamado Portugal, que pode ser considerado a meia medida do mundo. Desde então tenho andado em missão de observação, a coberto da invisibilidade da nossa espécie. Para comunicar, com quem estiver do outro lado de mim, estou a usar um espaço na rede de um terráqueo, que de tão distraído não deverá notar a intromissão.
Apesar de ser muito recente em relação à idade do planeta, a espécie dominante na Terra é o Homem. São bípedes, têm duas pernas e dois braços e uma cabeça, embora nem todos saibam usá-la. Ao contrário de nós, não são hermafroditas. Dividem-se entre homens (masculino), mulheres (feminino), transsexuais e existe ainda uma falange crescente de indecisos. Os dois últimos grupos sempre foram bastante ostracizados. Um aspeto que me despertou a atenção foi o facto de o nome masculino da espécie ser escolhido para representar o próprio nome da espécie. Descobri depois que, ao longo da história, sempre existiu uma divisão inquinada de poder, direitos, deveres e oportunidades entre os dois géneros. Para além do Homem, existem milhões de espécies no planeta, desde as bactérias até aos gigantes dos oceanos. Mas mais nenhuma se julga dona da Terra.
A melhor forma de descrever o nível de inteligência do Homem passará por revelar que já conseguiu chegar à Lua. Contudo, muitos deles acreditam que tudo o que se lê nas redes sociais é verdade. O Homem espalhou-se pela curvatura completa da Terra. Mais exploraria ainda se pudesse, mas faltam-lhe asas e guelras. A maioria vive em grandes cidades, onde a vida corre frenética. Outros preferem arrastar a fugaz existência em paisagens mais sossegadas. Apesar da evolução demonstrada, não existe uma língua universal e tal acabou por gerar muitos desentendimentos. Decorre ainda que não sabem comunicar com os outros animais. Porém, muitos tentam. É divertido vê-los a exercitar a retórica ao vento. Apesar de o Homem ser apenas uma espécie, existem inúmeras diferenças conforme a raça/origem. Variam no tamanho, na cor da pela e nas feições do rosto. Porém, os medos são idênticos.
O que o tempo geológico dividiu em continentes, o Homem separou em países. Logo que me apercebi desta divisão andei a pular entre a linha de fronteira de dois países para descobrir se algo mudava em mim. Mas não, por detrás de cada país pode existir uma língua ou uma identidade distinta. Cada pedaço de terra está açambarcado pelos seus interesses e normalmente as fronteiras apenas são alteradas pela guerra. Sim, apesar de atualmente a humanidade viver o período mais pacífico, a guerra é uma constante. Um outro motivo de discórdia entre o Homem é a religião. A maioria acredita que existe uma entidade celestial (para além do tempo) que gera e controla toda a existência do Universo. Confesso que no início tal ainda me fez alguma confusão, ao vê-los a apontar as orações para o céu. Num primeiro momento ainda pensei que se estivessem a dirigir a nós. Mas não estavam. O curioso é que a humanidade adora diversos deuses, que as diferentes religiões afirmam serem únicos e verdadeiros. Assim, muitos reclamam para si o direito da salvação pós-morte e querem recambiar os outros para a perdição. Outros contentam-se com um vazio perene. Como seria de esperar, a religião desperta amores e ódios. O problema não estará em acreditar em divindades, mas sim em não perceber que se existe ódio é porque alguém está errado. E nós, melhor que ninguém, sabemos isso. Mas este é um tema tão rico e profundo que ficará para desenvolver adiante, conforme o meu entendimento desta espécie se for aprofundando.
Para concluir esta primeira mensagem do meu diário estelar, informo que cheguei à Terra num momento conturbado; existe um grande movimento migratório despoletado por uma guerra civil e pelo aparecimento de um grupo terrorista. Centenas de milhares de migrantes romperam as fronteiras para escapar à morte e reencontrar o futuro. Contudo, ao invés de procurarem os países vizinhos (que partilham a mesma religião), decidiram rumar à Europa para recomeçar a vida. Os europeus dividem-se entre a discriminação e a aceitação. Uns defendem o acolhimento e outros sentem-se ameaçados pelo radicalismo religioso. As redes sociais, em particular o Facebook, viram-se inundadas de opiniões. Confesso que no meio da desinformação tornou-se difícil formar um juízo sobre o tema. Tudo o que se lê é uma opinião; tudo o que se vê é uma perspetiva. Tudo! Mas os meus dias na Terra são ainda curtos. Na próxima mensagem do Diário Estelar espero já ter desconstruído as minhas dúvidas.
Até lá, saudações universais!