Peneda-Gerês

Prado da Rocalva

Escrever sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), ou em particular sobre a Serra do Gerês, pode ser tão fácil ou difícil consoante o possamos imaginar. Se por um lado é, indiscutivelmente, uma região de inefável e inspiradora beleza, por outro lado fica-se com a sensação que por maior que fosse eloquência descritiva, haveria sempre muito mais a dizer dos locais ou dos percursos. Ainda, o facto de existir uma legião de admiradores deste parque faz com que se crie uma miríade de opiniões e interpretações sobre o tema que acaba também por ter um peso próprio. É, deslizando pelo gume dessas diferenças, que vou descrever a minha experiência no mundo-gerês.

Muito frequentemente confunde-se, nas referências, todo o parque nacional, o único que existe em Portugal, com a própria serra da Gerês. Esta é efetivamente a mais selvagem e interessante mas existem ainda as serras da Peneda, do Soajo e a Amarela. Começando então pelo Gerês, esta nomenclatura espalha-se em harmonia pelo rio, pela vila (GC2KZA6) e naturalmente pela serra. Para quem vai pela primeira vez ao Gerês, e desconhece o que vai encontrar, a primeira imagem de beleza com que pode ser assaltado é porventura a da Albufeira da Caniçada (GC31B13), quando se desce pela estrada nacional em direção à vila. Trata-se de um enorme manto de água, onde existem inúmeras Enseadas (GC31EH1) que parece adormecido ao sopé das montanhas limítrofes. Como se pretendessem controlar tudo o que se passa no vale, existem diversos miradouros de fácil acesso nessas encostas, como o da Pedra Bela (GCQM5V), Junceda (GC2MYQ1), Fraga Negra (GC2BQRN) e o da Boneca (GC166KP). Também com fácil acesso, poderemos visitar ainda outros locais muitíssimo interessantes como a Cascata do Arado (GC110G4), as Cascatas do Tahiti (GC18ZFT) ou a Lost Lagoon (GCPZ38) do rio Cabril. Os cursos de água que descem por esta serra transbordam um azul-límpido que nos fica inevitavelmente agarrado à memória e nos impele a querer regressar. Um outro lugar mágico é a frondosa Mata de Albergaria (GC1Q4DP), cuja composição e diversidade de espécies nos faz lembrar que estamos num mundo encantado. Num outro acesso ao parque pode ainda visitar-se a histórica e lendária Ponte do Diabo – Misarela (GC17NC5).

prado do conhoContudo, e ainda que se possamos ficar extasiados com os locais citados, estamos ainda longe de ter uma verdadeira perspetiva do quanto a serra do Gerês nos pode fascinar. Mas para tal é necessário percorrer os seculares trilhos dos pastores e, num regresso às origens, caminhar sobre quem somos, subindo as encostas em busca do seu lado mais selvagem. Uma das questões mais importantes dessa demanda prende-se com algumas regras de segurança. Ainda que essa busca pelo lado mais isolado de nós possa ter um encanto irresistível, tal facto poderá trazer-nos problemas. Numa primeira abordagem, e sem a companhia de quem conhece os trilhos e os locais, é fundamental ter um track do percurso no GPSr e definir muito bem e atempadamente o percurso. Em diversos sítios da internet existem inúmeros trilhos referenciados. Em alternativa poderão levar-se as velhinhas cartas topográficas. É importante também ter a perceção que, no terreno, quaisquer alterações ao plano inicial devem ser muito bem ponderadas, pois os atalhos, as vontades súbitas e as impressões casuísticas poderão conduzir a complicações desnecessárias. Outra advertência prende-se com as habituais mudanças da meteorologia; como o microclima é bastante instável, mesmo no verão, poderá bastar uma hora para que um céu azul se transforme num nevoeiro cerrado, com chuva e até trovoada. De um modo geral deve-se sair cedo, levar roupa e calçado confortável, muita água e reservas alimentícias, e voltar para trás logo que o tempo ameace alterar-se. Uma outra questão relevante com os percursos no PNPG prende-se com o facto de existirem no parque Zonas de Proteção Total (ZPT), o que significa que é proibido aceder a esses locais sem a devida autorização das entidades competentes. Mesmo em zonas que não estejam abrangidas por ZPT’s, em particular quando os grupos são numerosos, pode ser necessário obter uma autorização. Poderá saber-se mais no sítio do ICNF dedicado ao parque. Apesar da existência dessas limitações de acessibilidades, ao escrever estas linhas, optei por libertar-me delas e tentei seguir por um relato de intemporalidade. Também, e como os percursos podem ter inúmeros desvios ou variâncias, optei por não especificar individualmente as distâncias a percorrer.

A minha/nossa descoberta por este lado oculto e mais isolado da serra do Gerês iniciou-se com a subida, por uma antiga geira romana, ao Prado do Vidoal (GCWDDE), a partir da Portela de Leonte. Lá em cima senti um estranho apelo para continuar e embrenhar-me talvez na busca do meu Kurtz. Existe um fascínio, tão inexplicável como irresistível, e suponho ainda intemporal, que nos leva a abandonar alguns pergaminhos de humanidade e seguir à procura de um estado mais original, nem que seja em busca do nosso coração das trevas. Acho que o podemos encontrar na solitude do Gerês e, tal como no livro/filme, regressa-se diferente. Não admira então que a história de Joseph Conrad tenha inspirado a existência de três caches nesta serra.

vale das sombrosasUm pouco como uma espécie de ritual de passagem, e depois de fazer algumas caminhadas por lá, creio que haverá sempre um momento que descobrimos uma necessidade intrínseca de pernoitar na serra do Gerês; é inevitável! Por certo existirão outros locais mas gostaria de salientar dois: o Curral da Rocalva, talvez o maciço rochoso mais icónico do parque e as Minas dos Carris, um complexo mineiro que foi entretanto abandonado. Escolher um percurso para chegar à Rocalva (GC1DC15) pode ser tão difícil quanto definir um deus único para a humanidade. Um deles parte da Cascata do Arado e sobe para o Vale da Teixeira (GC1BR8X), podendo entretanto fazer-se um pequeno desvio em busca da Lagoa do Arado (GC3TRVT). Este percurso acompanha a descoberta d’ O Santo Graal (GC1HZYT), que nos rouba sempre um sorriso. A meio do vale inicia-se uma subida que parece interminável até ao Borrageiro, onde encontramos o primeiro ponto das trevas, Heart of Darkness (GC1471Q). Daqui pode seguir-se para o Prado do Conho (GC3KK3P) ou então para a Roca Negra; lá em cima, no coração do Gerês, podemos ser recompensados com alguns escritos de Miguel Torga, que descreveu como ninguém as suas aventuras por esta serra de encantos. Mil palavras não chegarão então para narrar aquela imagem. Segue-se depois para o prado da Rocalva, onde o gigante granítico parece ter adquirido o estatuto de confidente do tempo, e prossegue-se para a descida de volta à civilização, sendo que pelo meio poder-se-á passar pelo Cutelo de Pias, seguindo os passos d’O Regresso do Rei (GC49ZBF). Podem ainda fazer-se dois desvios em busca do Coucão (GC484V7) e de uma vista maravilhosa para as Fichinhas (GC1MB2Y). A continuação poderá fazer-se com uma passagem pelo Poço Azul (GC3Q6AE) e, um pouco mais abaixo, pela My Blue Lagoon (GC1D9PG). O trilho converte-se depois num caminho de terra que desemboca novamente na Cascata do Arado. Um outro acesso para esta zona central da serra do Gerês é precisamente aquele que se inicia com a subida ao Prado do Vidoal, sendo que pelo meio poderá fazer-se um desvio para os Prados da Messe (GC3KKTW), onde se encontra um Abrigo de Pastores (GC17EWJ) que já terá alojado um rei. Esta localização é também ótima para pernoitar. Outra forma de chegar a estes prados é precisamente aquela que sobe pela íngreme e difícil Costa da Sabrosa. Contudo, esta zona encontra-se em ZPT, tal como uma outra formação rochosa mítica que fica nas proximidades: o Pé de Medela, onde terminava a descoberta do Temple of Darkness (GC1C33P). Juntamente com o Pé de Cabril (GCZBTH), do outro lado do vale, estes gigantes perenes controlam toda a vida que se desenvolve à sua volta. Existem sobretudo duas formas de chegar ao Pé de Cabril, a partir da Portela de Leonte ou seguindo o trilho das Silhas dos Ursos (GCYHJ1). A ascensão final a este pêndulo geresiano, já depois de uma passagem por baixo de um penedo, faz-se através de uma pequena mas impressionante via ferrata. Lá em cima, as vistas para o mundo envolvente, em particular para a Mata de Albergaria e a albufeira de Vilarinho das Furnas, são absolutamente fantásticas. Ali perto também é possível seguir outro trilho em busca de mais Uma cache no PNPG (GC3KH0D). Partindo da aldeia de Covide, que por sua vez fica perto das instalações do parque, pode-se percorrer o trilho Cidade da Calcedónia (GCGZCK), numa ascensão ao céu do geocaching nacional, pela premiada Fenda.

vale das sombrasUm outro local de passagem obrigatória na serra do Gerês são precisamente as Minas dos Carris (GCY37F), um complexo mineiro de dimensão considerável e que entretanto foi abandonado. Ainda que o local não se encontre em ZPT, o acesso preferencial para lá chegar, ao longo do enorme vale do rio Homem, está condicionado. Considero que o percurso mais apetecível para aceder a esta zona parte da Portela do Homem, junto à fronteira, e sobe por uma cumeada em direção a um arco referenciado n’As Albas (GC3E8ZC). Dali pode seguir-se em direção ao Pico do Sobreiro (GC3RQ4Z), e com um desvio pode aceder-se às Minas das Sombras (GC1BVJ9), já do outro lado da fronteira. Voltando ao percurso, e descendo a encosta, pode-se continuar depois em direção ao Pico da Nevosa (GCPDB6), o ponto mais alto do parque e um local de vistas extraordinárias. Dali poderá seguir-se finalmente para as Minas dos Carris e uma pernoita por lá certamente é deveras revigorante. O regresso poderá fazer-se então pelo estradão que sobe a designada Costa do Sol, pelo vale do rio Homem. As suas águas cristalinas refletem qualquer cor que o céu se lembre de inventar.

Minas dos CarrisUm outro percurso muito apetecível desta serra parte de Pitões das Júnias, uma aldeia típica do parque e onde poderá visitar-se o seu antigo mosteiro (GC1FDPF) e uma cascata (GCQM5B). Pode seguir-se depois em direção à Fonte Fria (GC250BY), com passagem por uma Varanda do Conde (GC26NQN) e pela Fraga da Brazalite. Com um pequeno desvio pode aceder-se ainda às Gralheiras (GC3XEAR) e, no seguimento, visitar o Sméagol’s Challenge (GC305ZK). Dali poderá seguir-se em direção à Fraga do Paúl (GC2YRV0) e continuar-se em busca dos Cornos de Candela (GC1FDPC). O regresso a Pitões passa pela Fraga de São João (GC142PK), que é encimada por uma capela simples mas icónica, pintada de branco, visível de toda a região limítrofe, como se fosse um farol de vontades que vai relembrando toda a vida envolvente das suas origens ancestrais.

Partindo de Fafião é possível seguir o ancestral trilho escarpado que sobe pelo vale do rio Touça, em busca das serranias asSombrosas. Trata-se também de uma excelente caminhada, sendo que pouco depois do início pode fazer-se um desvio para aceder à secular Ponte da Matança, envolta por paredes gigantes que guardam a passagem do rio, em busca da Valley of Darkness (GC30CZ7). O cenário parece saído de um universo tolkiano ainda por descobrir. Do outro lado do vale, a meio da caminhada, existe uma Varanda (GC16657) proeminente para as Portas Ruivas, guardiãs perenes daquele lado geresiano. Depois de uma paragem na Drager’s Lagoon (GC1WRJY), no Porto das Lajes, onde se esconde uma respeitável obra de engenharia hidráulica, segue-se uma subida exigente em busca do Desafio das Sombrosas (GC1WGQ5). Ali perto, e aproveitando o estradão que vem das Lagoas do Marinho (GC1D42X), pode também fazer-se uma viagem dedicada aos Grupos Expedicionários (GC1WRND), em busca de mais um Borrageiro, uma investida a outras minas (GC1YX9N) ou uma visita ao Ciclo Glaciar de Concelinho (GC49ZJT). Do outro lado da serra é sempre aconselhada mais uma Subida pelo Gerês (GC3R5FZ).

arcoVizinha da serra do Gerês, a serra Amarela ergue-se entre o rio Homem e o rio Lima, tendo o seu ponto mais alto entre As duas Torres (GC4B6WY), na Louriça, podendo chegar-se lá a partir de mais uma aldeia icónica do parque, Lindoso, ou ainda a partir de outra aldeia que conhece os segredos da serra, Ermida. Também, pelos seus trilhos e partindo da Portela do Homem, é possível seguir a rota dos Contrabandistas (GC1K14D) até um vértice geodésico que divide freguesias, concelhos, distritos e países, e por onde nos tempos idos se ganhava a vida vencendo as hostilidades das serranias e dos isolamentos nacionais. Um dos locais mais emblemáticos de todo o parque encontra-se precisamente no sopé desta serra, entre as ruínas de Vilarinho das Furnas (GC1220J), uma antiga aldeia comunitária cujas leis e formas de vida ancestrais descendiam, com poucas alterações, desde que o período da ocupação romana. Acabou por sucumbir ao corrupio dos tempos modernos pela construção de uma barragem e a história tornou-se subaquática. Durante o verão, e em alturas de maior estio, a diminuição da cota das águas permite observar uma boa parte das ruelas e edifícios da antiga aldeia. Ainda na serra Amarela, pode seguir-se em busca das aventuras dos Raiders of the Lost Cache (GC1B714 ), numa Serra agreste e dura, porém Boa (GC32KA2). Aqui pode ainda visitar-se o Poço da Baraceira (GC15QZW).

Na serra do Soajo, e mais propriamente na antiga vila (GC24T02) que lhe deu o nome, pode visitar-se uma eira comunitária de Espigueiros (GC16B2G ) e ainda alguns poços de água transparente que ficam nas proximidades, como o Poço Bento & Poço das Canejas (GC24VRE) ou ainda empreender um percurso até à Ponte da Ladeira (GC24RZM).

mariolaPor último, a norte do parque, encontra-se a serra da Peneda. O nome descende da aldeia, onde se situa um dos santuários mais visitados do país, e do rio, que rasga o vale para encontrar o rio Laboreiro. Perto do Santuário da Peneda (GC318ZK) encontra-se uma outra imagem icónica do parque, a fraga da Meadinha, cujo rosto perene observa num ápice todas as eras do mundo. A ascensão ao seu topo é um dos troços mais requisitados da escalada nacional mas o mesmo também é possível através de uma escadaria que parece infindável, em busca da Stairway to Heaven (GC640F). Na continuação do trilho, e depois de uma passagem por mais uma pequena barragem, pode seguir-se em busca das Estepes do Norte (GC317F5), um desafio que procura testar-nos a tenacidade e a vontade com as vertentes inclinadas do gigante adormecido. Ali perto também é possível obter uma lição de geologia em forma de tartaruga (GC3CWD5) e pode mesmo continuar-se em busca de mais um pico, em Outeiro Alvo (GC3F56G). Na encosta que fica do outro lado do vale, e partindo também do Santuário da Peneda, é possível seguir um trilho que passa pela Água Santa (GC436E7) e que termina no topo da Fraga das Pastorinhas (GC2M30X), a maior “parede” que existe em Portugal, com algumas centenas de metros com muita inclinação até ao rio Peneda, onde é possível encontrar mais um local perdido pelo tempo, entre as Lagoas dos Druidas (GC2E5TY). Do outro lado da enorme fraga existe um miradouro com uma vista fantástica para o Vale Glaciar da Peneda (GC37EVK) e onde também é possível aprender mais uma lição de geologia. Seguindo da Mistura das Águas (GC17WDF), e subindo pelo rio Laboreiro, passa-se n’A fronteira de Baixo (GCF83C) e no Rocky River (GCPPXM), onde é possível contemplar a ancestral Ponte Nova da Cava da Velha, até chegar à ancestral aldeia de Castro Laboreiro, cujo castelo altaneiro (GCV3TK ) e a vontade das suas gentes definiu as fronteiras ao longo dos séculos. O ponto mais alto da serra da Peneda encontra-se num local designado por Pedrada e existem vários trilhos que se podem seguir até lá. Um dos mais interessantes será porventura o que parte da branda Poulo da Seida (GCJ57Q), um local onde ainda é possível encontrar os antiquíssimos abrigos dos pastores. Depois de uma passagem pela mariola que referencia a nascente do rio Vez, segue-se então para a Ganda Pedrada (GC16TVF). A Peneda (GC1N29P) trata-se de mais um ponto alto desta serra e nas suas proximidades podem ainda seguir-se outros trilhos, quer seja num regresso no tempo à procura da Ice Age (GC1NR43) ou então em busca d’A Irmandade do Anel (GC4C4YP).

valeDada a excelência destes locais e caches, tornou-se natural que surgissem desafios aglutinadores que referenciassem outras descobertas. O primeiro a surgir foi precisamente o PNPG’s MasterDegree Challenge (GC1P9ZV), cuja descoberta obriga à visita a outras vinte experiências. Um ano após a nossa primeira passagem rápida pelo parque voltámos para dez dias seguidos e muitos quilómetros percorridos pela conquista deste “canudo”. Depois, um novo ano raiou um novo desafio, numa travessia pela linha de fronteira do PNPG, entre as Montanhas Nebulosas (GC3C7J6), desde Castro Laboreiro até Pitões das Júnias. Entretanto foi criado mais um desafio, o PNPG’s PhD ou o Doutoramento – Challenge (GC3W2Z0), que “obriga” a outras vinte experiências antes de se poder reclamar mais este grau de contentamento e concretização, num dos locais mais isolados do parque.

E assim, na certeza que muito mais haveria para descrever, termina esta viagem pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, cuja natureza parece ter abarcado em si todo o mundo, num espaço sem tempo.

Artigo publicado na GeoMagazine #4

Vilarinho da Furna


 

Peneda-Gerês

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