Montanhas Mágicas

Portal do InfernoDepois de um artigo sobre o Parque Natural da Serra da Estrela e outro sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês faltava-me este para completar a tríade sobre as montanhas por onde gosto me perder e reencontrar. À falta de haver uma denominação semelhante aos anteriores parques, optei por nomear este artigo, e o conjunto destas serras, com o epíteto de “Montanhas Mágicas”, criado, merecido e proclamado pelas serras da Arada, Gralheira, Montemuro, ao serem agraciadas recentemente com o título de Destino de Turismo Sustentável pela Federação Europarc. Do Maciço da Gralheira, como é geralmente conhecido, fazem parte ainda as serras da Freita, Arestal e São Macário. Uma outra denominação referenciada na região abrangida por estas serras é a do Arouca Geopark, confinado ao concelho referido e que estabelece um território que possui um notável património geológico, elegido sobretudo devido aos 41 geossítios, muitos deles já referenciados pelo geocaching e que terei a oportunidade de explorar de seguida.

À semelhança dos outros artigos, irei evoluir neste pela minha experiência de descoberta destas serras. Apesar de as Montanhas Mágicas não possuírem a altivez da Estrela ou o isolamento do Gerês, têm na verdade inúmeros motivos de interesse que, no conjunto, as tornam igualmente apetecíveis. Começarei por referir um quadrado mágico e excecional que considero de visita obrigatória: Rio de Frades, Mizarela, Drave e o Rio Teixeira, sendo que cada um destes locais oferece aos visitantes experiências únicas e inesquecíveis.

Rio de FradesRio de Frades é um local deveras especial e encantador. Depois do bulício da exploração mineira, em que trabalharam por lá mais de 3000 pessoas, foi sendo abandonado ao longo do tempo. Mantém contudo uma panorâmica enigmática e bela, com as encostas escarpadas e o rio, que corre de cascata em lagoa. Existem quilómetros de minas de mistério, inclusive algumas que oferecem passagens entre locais de acessos mais restritos. Naturalmente, tal cenário redundou num dos locais mais interessantes para a prática do geocaching e a excelência das suas caches há muito tempo que deliciam quem vai à sua descoberta. A mais antiga é a The Lost Nazi Mine (GCPZHC), que apresenta um dos melhores conceitos de cache que já encontrei, sobretudo pela maravilhosa passagem de um ambiente de escuridão e trevas para um cenário de rara beleza, encimado com uma cascata muito fotogénica. Nesta passagem, a meio da mina, e com alguma exploração, podemos ter uma perspetiva da dimensão da estrutura de minas de Rio de Frades, uma vez que apenas naquela encosta existem três patamares, cada qual com a sua galeria. Depois desta colocação inspiradora, seguiu-se a referenciação da zona da lavandaria (GC24ZXF), local aconselhado para a pernoita em visitas ao local, e do Caminho do Carteiro (GC2D7E2). Este é um dos percursos de excelência da serra da Freita e tem origem no facto de, e face ao grande volume de correspondências durante a exploração mineira, o carteiro necessitar de deslocar-se diariamente entre Cabreiros, sede de freguesia, e Rio de Frades. Contudo, e devido ao relevo do local, como a deslocação de carro demorava tanto ou mais como a via pedestre, o carteiro optava por ir a pé, seguindo um caminho na encosta íngreme. Dada a qualidade dos canyons por onde corre o rio, o que o torna um dos mais procurados a nível nacional, foi com naturalidade que aparecesse mais uma cache a referenciar a atividade do canyoning, colocada no início do troço inferior (GC2NG8W). Na parte superior do troço de rio de Frades também existe um percurso de canyoning, referenciado inicialmente pelo Challenge 81 (GC1R9P6), num local onde a respiração já se habituou a ser cortada por todos os que por lá se aventuraram, e que entretanto recebeu a companhia de outros desafios (GC4J9D8). O lado mais inóspito, juntamente com a panorâmica abandonada da exploração mineira, conferem a Rio de Frades um cenário perfeito para aventuras tamanhas e é natural que também o Indiana Jones (GC3BH3J) se decidisse a visitar o local, no Poço do Oito, onde as duas quedas de água compõem a música e as cores da vegetação envolvente unem-se às do céu num bailado de inefabilidades. Aquele lugar parece ter tem o hábito de debicar a memória de quem o visita, como o canto de uma beleza já perdida do mundo.

Rio de Frades (2)

A aldeia da Mizarela, uma das mais características da serra da Freita, é o segundo destino desta viagem. O local é sobretudo conhecido pela cascata da sua Frecha, onde as águas do rio Caima precipitam-se numa queda de cerca de 75 metros. Um dos melhores locais para admirar esta cascata é precisamente de um miradouro que fica junto à estrada (GC1K4AT). Contudo, e como é sabido, os geocachers têm um espírito demasiado inquieto e geralmente não se ficam por observações à distância. O acesso à cache Frecha da Mizarela (GC27T15) é também ele fantástico, sendo que em alturas de maior estio poder-se-á aproveitar as idílicas lagoas que se encontram a jusante da queda e, naturalmente, admirar a enorme cascata de perto. Por esta aldeia passa outro percurso famoso da serra da Freita, o PR 7 – Nas escarpas da Mizarela (GC1ZCAP), com início no Merujal e que circunda a majestosa cascata seguindo pelas escarpas das encosFrecha da Mizarelatas limítrofes, numa contemplação contínua de um vale extraordinariamente belo. Perto da Mizarela encontra-se o ponto mais alto desta serra, São Pedro Velho (GC14ZF7). Do outro lado da encosta nasceu um dos fenómenos geológicos mais famosos da região, único em Portugal e muito raro no mundo: as Pedras Parideiras (GC1JYX9), onde inclusive se poderá visitar um museu, numa serra de encantos e fenómenos, em que as pedras também são Broas (GC1KGR1) e o vento molda as suas vontades.

O terceiro local do quadrado mágico destas montanhas é Drave (GC1W2Z3). Drave é a aldeia abandonada! Existem outras mas nenhuma se compara a esta. Quase tão antiga como os montes que a guardam, é o berço maternal de todos os Martins. Situa-se na confluência de três ribeiros: Palhais, Ribeirinho e Ribeiro da Bouça, e aí forma a ribeira de Drave, que desagua posteriormente no rio Paivô. Ir a Drave é sempre uma experiência inesquecível. O percurso mais requisitado para visitar esta aldeia é o PR14 – Aldeia Mágica (GC1VWE2), que parte de Regoufe, mais uma aldeia característica da região e onde se encontra também um complexo mineiro abandonado. Aquando da Segunda Guerra Mundial, enquanto os alemães exploravam o minério em Rio de Frades, os ingleses faziam-no a escassos quilómetros, em Regoufe (GC15B20). Uma outra forma de chegar a Drave é descendo a encosta da serra da Arada, por onde se pode fazer inclusive um desvio para ir em busca de mais uma aldeia abandonada, Gourim (GC1QXZD). Apesar de esta não possuir o encanto da sua vizinha, é também uma descoberta fantástica e muito recomendável. Existem ainda outras formas de chegar a Drave e, de entre todas, a minha preferida talvez seja subindo pelo leito do rio Paivô e posteriormente pela ribeira de Drave. Obviamente, esta abordagem é mais recomendada durante o Verão. Partindo de Regoufe, e depois de uma longa subida, ao invés de continuar-se pelo caminho deverá descer-se por um trilho em busca de memórias perdidas (GC3B8EM). A partir daí é sempre pelo leito xistoso do rio até Drave, com passagem por inúmeras lagoas de águas cristalinas.

Drave

E o último vértice mágico desta viagem situa-se no rio Teixeira. Este rio, que já foi considerado um dos mais limpos da Europa, é outro ex-libris da região. Nascido, em Manhouce, das ribeiras que calmamente descem da serra, dali segue por vales escondidos até encontrar o rio Vouga. Mesmo em Manhouce é possível visitar algumas lagoas e cascatas muito interessantes, na Cilha (GC2WYT7), ideais para um dia quente de Verão, assim como no seu percurso, no Poço Negro (GC1EB3D), mas será porventura nas proximidades da Quinta de São Francisco (GC2FFQB) que o rio atinge o seu esplendor. À semelhança de Drave, esta quinta tem vindo a ser paulatinamente recuperada pelos seus utilizadores e apresenta-se como um reduto ideal de isolamento entre o melhor que a natureza pode oferecer. Este percurso de rio é também bastante conhecido pela prática do canyoning (GC1RM1P), em que o acesso é feito através de um túnel. A nível pessoal, a última grande descoberta neste local foi um trilho numa escarpa, de fatiar a respiração e testar vertigens, que acompanha o percurso do rio e que também permite chegar a locais e desafios memoráveis (GC2CVCP).Frio

Para além dos locais referidos anteriormente, existem muitos outros nas Montanhas Mágicas cuja visita é muito aconselhada. Perto de Drave, à distância de uma encosta, existe outra aldeia que, apesar de ainda ser habitada, parece ter ficado perdida no tempo: a Aldeia da Pena (GC14XQQ). Refugiada no sopé da serra de São Macário (GCR5C1), a primeira grande aventura para chegar à Pena por automóvel é o próprio acesso, devido ao facto de a encosta ser muito inclinada e a estrada ser estreita, o que faz com que qualquer cruzamento de veículos se torne numa pequena odisseia. Uma das histórias mais idiossincráticas da zona, e que acabou também por dar nome a um Caminho mítico que sai da Pena, é a do Morto que Matou o Vivo (GC1P5F4). O nome tem origem num episódio duplamente infeliz. Devido ao facto de, no passado, na Aldeia da Pena não existir cemitério, os habitantes tinham de levar os defuntos para a aldeia vizinha, Covas do Rio. Certo dia, num desses percursos e numa parte do trilho muito íngreme, um dos homens que transportava o defunto escorregou e o caixão caiu-lhe em cima, matando-o. Este Caminho pode ainda ser inserido num outro mais geral, conhecido como Trilho Maia (GC3BH45), que liga as aldeias da Pena, Covas do Rio e Covas do Monte (GC1RAPX). Nesta última resiste o maior rebanho comunitário que existe em Portugal e a própria aldeia representa ainda todos os séculos que a fizeram, com as casas feitas para albergar os animais na parte inferior e as pessoas na superior. Os muitos campos em volta da aldeia, e as encostas que se desenham na sua periferia, conferem-lhe um cenário quase alpino. A duas encostas de distância existe outra aldeia muito acolhedora, Fragoselas (GC32WN5), de visita também recomendada.

Para além do já referido Trilho Maia, as montanhas e percursos do outro lado do Atlântico inspiraram também que um percurso que sobe desde o rio Paivô até Póvoa das Leiras recebesse o nome de Trilho Inca (GC2H5XN), mais um percurso fantástico por uma encosta escarpada, cujas vistas se prendem à memória como se a sua própria existência dependesse disso. Ali perto pode-se visitar as Bétulas da Fraguinha (GC1J7JN), as Minas das Chãs (GC1BZMN), os Cotos do Nabo (GC2BM4T) e do Boi (GC16330), em vistas largas e horizontes desmedidos, também encontrados na Cabria (GC19W8B). Seguindo o rasto dos Pastores pelas Veredas (GC2095D) pode ainda visitar-se a icónica aldeia Lomba de Arões (GC1CR84), perto de outra já abandonada (GC3BH4J).

Cascata Aldeia da Pena

Entre Drave e a Aldeia da Pena existe um Portal com passagem pelo Inferno (GC3900N). A estrada serpenteia pelo cume do monte e as encostas apresentam uma inclinação alucinante que acabou granjear o nome ao local. Existem relatos de, em tempos idos e numa altura em que a estrada ainda era em terra batida, haver veículos, incluindo um autocarro, a ficarem pendurados nas ravinas. Daqui também se pode ter uma visão da Garra, modulada pelas encostas limítrofes.

CabreiaUma das características desta cordilheira é existência de vários locais de acesso bastante complexo. A nível pessoal, uma outra aventura marcante foram os três dias de descoberta do percurso da ribeira da Pena Amarela (GC2Q49V), um local onde também se explorou o volfrâmio. As dificuldades de progressão foram muitas mas no final ficou a certeza de uma descoberta inolvidável, entre a solidão da montanha. Também por aqui existe um percurso de canyoning; aliás, são raras as encostas destas montanhas por onde não descem ribeiras, com inúmeros desafios (GC3Z24K) e locais reservados a quem se aventurar à sua descoberta, como na ribeira de Vessadas (GC2WYJ6) e em outros recantos perdidos e achados por pequenas comunidades que vão subsistindo (GC3K5EW), em nome de uma fé (GC1E0J9) inabalável na arte feita montanha. Sem medos do lobo mau (GC2MQXT), vale mesmo a pena percorrer ainda outros percursos destas serras, como os Caminhos do Montemuro (GC15D76), Caminhada Exótica (GC411G0), Cercanias da Freita (GC1H643), Rota do Ouro Negro (GC2QKPW), Rota das Tormentas, Viagem à Pré-História e Na senda do Paivô (GC31JDP), sem esquecer ainda uma visita ao vale do rio Paiva, em Alvarenga (GC2D6FQ), no Areinho (GC11NX9), na Cascata das Aguieiras (GC3B8FH) ou em Paradinha (GC1B4D7), aos segredos deixados pela Rota dos Fósseis (GC3R3K5) e às vistas largas sobre Arouca (GC3R3K5). Na serra do Montemuro pode e deve-se ainda visitar suas Portas (GC1223G), o VG (GC3W5WM), a Rota dos Moinhos (GC2RAWN) e as Minas de Moimenta (GC2RBPN). Querendo e podendo, outros trabalhos (GC40WHF) podem ainda juntar-se numa experiência mais vasta pela região.

Para finalizar, a última grande aventura por estas montanhas foi o percurso do Ultra Trail Serra da Freita (GC3GVZB). Do momento em que tomei conhecimento da existência do percurso até o viver passaram-se poucos dias, tal foi a inquietude suspirada. Os desafios e as dificuldades são enormes, num périplo de sentimentos acelerados por muitos dos locais e percursos descritos anteriormente, em particular o quadrado mágico definido no início deste artigo, mas a sensação final é absolutamente inenarrável.

A assim termina esta viagem pelas Montanhas Mágicas. Visitem-nas e descubram-se na magia de experiências sensacionais e memoráveis. Elas aguardam-vos de vales abertos e com rios de sorrisos!

 Arada

Artigo publicado na GeoMagazine #7.


 

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