Anos após ter esquecido o enredo do filme, e um pouco mais tarde do que devia, finalmente fui à descoberta do romance que tornou Umberto Eco num escritor reconhecido mundialmente. “O nome da rosa” fazia parte do meu imaginário de leitor, não apenas pela sua propalada qualidade, mas também pelo facto de decorrer num mosteiro durante a época medieval. Para quem, como eu, cresceu junto a outro antigo mosteiro e gostava de deambular a imaginação em busca dos seus segredos seculares, o tema é deveras apetecível e fascinante! Vamos então em viagem pelo “poder infinito das palavras” deste livro.
A história gira em torno do sagaz frade Guilherme, que é incumbido de investigar uma morte suspeita de um frade, atribuída a eventuais heresias e maldições, num misterioso mosteiro por terras transalpinas. Para tal conta com a ajuda de Adso, um noviço que está ao seu encargo e que narra a história. O mosteiro encontra-se no centro de uma disputa teológica sobre a virtude da pobreza, estando ainda prestes a ser palco de ação da temível inquisição medieval.
Cedo se percebe que as aparições demoníacas têm mão humana. À medida que as mortes em circunstâncias estranhas se sucedem, um livro misterioso e secreto surge como o principal elo de suspeitas. Tal acaba por revelar alguns hábitos lascivos dos frades, assim como deixar a nu ideias e ações mais pecaminosas do que santas. Os enigmas e os códigos revestem-se como verdadeiras passagens secretas para o leitor, que vai revirando páginas com a curiosidade em riste.
Pelas passagens ocultas do mosteiro, na calada da noite, Guilherme consegue finalmente encontrar o acesso à biblioteca, considerada uma das mais valiosas da cristandade, e que lhe havia sido sucessivamente vedado. Tanto pelo espólio como pela sua estrutura enigmática e labiríntica, de uma forma real e metafórica, entre alçapões e espelhos disformes, a biblioteca assume-se então o personagem principal da história. “O nome da rosa” acaba também por ser uma homenagem ao conhecimento, desde o mais popular ao mais erudito, e aos livros. Não deixa de ser curioso que um dos curadores desse conhecimento se assuma como o homem das sombras e das mortes, na tentativa de livrar os monges dos caminhos do riso.
Enquanto os senhores da cristandade medieval e da inquisição aplicam a justiça em seu proveito e em nome de Deus, o verdadeiro culpado parece escapar-se entre a névoa. Porém, seguindo o novelo de uma história brilhantemente bem escrita, onde cada palavra parece ter sido escrita a regra e esquadro, somos por fim levados à luz dos factos. Descobre-se a trama da malvadez, mas perde-se tudo resto. Em terra de cegos espirituais, quem tem um olhar culto é rei.
Logo depois de ler o livro, fui ver o filme homónimo de Jean-Jacques Annaud. As palavras transformaram-se em imagens, tendo sido um bom desafio associar os momentos e as passagens, assim como discernir por tudo aquilo que o filme não revelou. Mesmo sendo um filme excelente, numa ótima recriação do espaço e personagens, promovendo a ação ao invés da dissertação filosófica que engrandece o livro, é de realçar a justiça poética nas diferenças subtis que encerram a história.
Numa época de trevas dogmáticas, abrir um livro especial era um motivo de espanto e um dos maiores prazeres a que alguém poderia aspirar. Na nossa era, um pouco mais à frente no caminho do conhecimento, assim deve ser descobrir uma história fantástica, como “O nome da rosa”!