Encontros imediatos na Serra das Meadas

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Em jeito de preparação para o Ultra Trail Serra da Estrela, e depois da Maratona do Vouga, resolvi percorrer o Trilho Ranger, na Serra das Meadas (Lamego). Trata-se de um percurso oficioso com cerca de 38 km que serpenteia pelas encostas que envolvem o vale do rio Balsemão. O nome do trilho advém da proximidade do centro de tropas de operações especiais. Confesso que estava um pouco reticente; a minha passagem pela vida militar foi muito fugaz. Certo dia, ao dobrar a adolescência, mandaram-me ao Porto para a Inspeção. Foram dois dias de rebuliço em que mal preguei olho, fui assediado e bebi mais do que devia. Desde então mantive-me longe de belicismos.

Devaneios à parte, comecei o percurso junto à ponte sobre o rio Balsemão e segui sem problemas pelos quilómetros iniciais. A paisagem despida permitia alcançar o horizonte longínquo. O espaço é dominado pelas torres eólicas, que se estendem ao longo do cume da serra, quais gigantes do novo mundo. Ao contrário do que normalmente acontece, este seria um treino com várias paragens; o geocaching surgiu como uma boa desculpa para descansar e apreciar as vistas.

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Quilómetro após quilómetro, num ritmo calmo, cheguei ao meu primeiro encontro imediato. Quem deambula por locais mais recônditos habilita-se a descobrir o lado mais estranho do mundo. Neste caso, ao chegar a um cruzamento avistei 3 garrafas no meio do caminho. Aproximei-me e notei que eram de cerveja. Estavam abertas e quase cheias. Pensei que a noite deveria ter sido interessante, mas logo depois avistei mais 3 garrafas. Andei mais um pouco e constatei que se tratavam de garrafas de whisky (também abertas e quase cheias). Ao lado de cada uma das garrafas existia um charuto parcialmente fumado e uma caixa de fósforos aberta e quase cheia. Estava completo o cenário daquele que será o mais inusitado e espetacular quadro de macumba que já encontrei. Alguém é perito em bruxarias e sabe qual o significado disto? Gosto de pensar que o pedido subjacente fosse para que nunca faltasse cerveja, whisky e charutos ao interessado. Ora aqui está um bom exemplo daquilo que poderia existir nos abastecimentos das provas de trail!

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Logo depois deste encontro imediato tive um segundo. Estava sossegadito em mais uma geo-paragem, próximo de uma área vedada por onde deambulava um rebanho de ovelhas, quando se levantou um alvoroço. Apareceram, do outro lado da vedação, três cães pastores. Cada um me ladrou uma coisa mais horrível que o anterior. Sabia que, normalmente, estes cães são territoriais e a vedação ainda oferecia algum conforto. Porém, estes pensamentos esfumaram-se depressa e os cães apareceram do meu lado, espicaçando-me o sentido do medo. Nunca fui de dar confiança à espécie, e eles pressentem isso. Valeu-me haver por lá um penedo, para onde subi a patinar. Eles ficaram depois a vigiar-me e aproveitei para almoçar. Pela má vontade demonstrada optei por não partilhar a comida. Os cães acabaram depois por se afastar e eu aproveitei uma janela de distração para sair dali por um atalho de giestas e silvas.

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Prossegui a corrida e já depois de ter passado pelas poldras do rio Balsemão com uma boa dose de equilíbrio, iniciei a subida da outra encosta. Enquanto ia avançando notei a existência de várias fitas de marcação no percurso. Um pouco mais à frente passaram por mim uns ciclistas que ficaram intrigados por eu seguir no sentido contrário ao deles, mas nem liguei. Vencendo a altimetria em subidas e descidas constantes, quando notei estava a ser seguido por outro corredor. Andámos próximos durante algum tempo, até que fiz nova geo-paragem. Ao passar por mim ele perguntou como é que eu já ali estava e se havia mais alguém à nossa frente. Lá lhe expliquei que eu não estava a participar na prova e ele seguiu o seu caminho, já mais contente. Mais à frente acabei por seguir por outro caminho, mas seria engraçado prosseguir pela prova e cruzar a meta ao engano.

Tão cansado quão intrigado pelos sucessivos encontros, lá alcancei novamente a ponte do rio Balsemão e finalizei a minha aventura. Tive ainda tempo para, um pouco mais abaixo na estrada, subir a um penhasco e descobrir a melhor vista para o rio. Uma zona fantástica, mas que seria ainda mais bonita e selvagem não fossem alguns idiotas darem-se ao trabalho de atirar com frigoríficos e outros eletrodomésticos pela encosta. Nunca percebi este tipo de poluição; deixar o lixo junto a um caixote dá menos trabalho e custa menos do que levá-los para as serras. Enfim, já chega de encontros imediatos. Bons treinos e boas descobertas!

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Encontros imediatos na Serra das Meadas

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