Os Salteadores da Sopa Perdida

O regresso d’Os Salteadores da Sopa Perdida! Calcorreando as serranias das nossas vidas, gostamos de nos reunir para aventuras com sabor a boas lembranças que terminam com a preparação e degustação da mítica sopa da pedra. Para além do reconforto alimentar, tal como na história original a pedra era apenas um pretexto, assim é a sopa para nós. Porém, tornou-se num tempero memorial. E assim vamos acumulando boas memórias e grandes experiências! Desta vez, o fim-de-semana destino foi Trás-os-Montes.

A vontade de descobrir o Sabor Transmontano (GC3HTHB) aliou-se ao reencontro dos salteadores. Como precisávamos de um local para preparar a sopa, jantar e pernoitar, surgiu a ideia de irmos até ao Castelo de Algoso (GC22FN7), monumento de vistas fantásticas, sobranceiro ao vale do rio Angueira. Chegámos a Algoso na noite de sexta-feira e a previsão meteorológica era de chuva, pelo que ficámos radiantes por encontrar o céu estrelado. Não foi difícil decidir o local da preparação da sopa; o pior mesmo foi levar a panela e demais materiais para lá! Iniciámos depois a preparação da sopa e fomos reconfortando o estômago com outros petiscos. As estrelas pareciam alinhadas para nos iluminar a experiência memorável.

Perfazendo o ritual da preparação, apenas começámos a cear à meia-noite. Como sempre, a sopa estava deliciosa e a envolvência conferiu-lhe contornos míticos. Depois da ceia, arrumámos tudo e fizemos uma caminhada noturna até à ponte esquecida sobre o rio Angueira, “anquanto a lhéngua fur cantada” (GC6NMM2). Apanhámos o trilho medieval e fomos descendo a encosta, fazendo contas ao esforço da subida. Acertámos nos atalhos da noite e chegámos à ponte sem grandes peripécias. Perdemos as vistas e os pormenores da ponte, mas as circunstâncias também foram interessantes, tornando a descoberta mais peculiar e desafiante. De regresso ao castelo, preparámo-nos para a pernoita ao luar. Acabámos por dormir pouco, tendo em conta o frenesim da aventura inusitada e o facto de termos de acordar bastante cedo. Chegámos e saímos de Algoso ao abrigo da penumbra, mas a noite sublime brilhará na nossa memória.

Avistámos Matela quando a promessa do amanhecer ainda falava castelhano, mas os galos iam dando sinal que a aventura estava prestes a começar. Depois do café reconfortante realizámos a logística dos carros e seguimos para Junqueira. Com tudo preparado, iniciámos a caminhada do Sabor Transmontano. Os primeiros quilómetros foram acessíveis e não permitiram adivinhar o que estaria pela frente. Chegámos à confluência dos rios e fizemos uma pequena paragem para recarregar as energias. Íamos subir o Sabor, mas fiquei com muita curiosidade em experimentar também a subida do Maçãs. O trilho pela margem do rio é técnico e é necessário ter atenção à progressão. É isso também que o torna mais desafiante e interessante. Entrámos na parte mais selvagem do vale e durante algum tempo estivemos longe de tudo. Um dos aspetos mais curiosos sobre este rio está relacionado com a altura que o caudal atinge em períodos de cheias, tendo em conta os vestígios na vegetação. Acho que não conheço outro que suba tanto.

À medida que progredimos o trilho foi-se tornando ainda mais técnico e chuva apareceu quando chegámos às Fragas da Cerca. Ainda esperámos um pouco, mas a chuva poderia delongar-se e amolecer-nos o espírito. Um pouco depois aproveitámos para almoçar debaixo de uma lapa de histórias. Não vimos animais selvagens, mas eles deveriam estar à espreita. Parecia que estávamos num tempo chamado longe. Logo de seguida tivemos de subir um pouco mais a encosta para contornar uma fraga, mas o desafio acabou por ser vencido com cuidados redobrados. Apesar de nem sempre serem evidentes, os trilhos dos animais ajudam a progressão e facilitam a tomada de decisões.

Com a chegada ao segundo ponto, um local de excelentes vistas, as dificuldades foram deixadas a jusante do rio e das memórias. Surgiram então trilhos mais evidentes, que deambulavam pela encosta ao longo do rio. Depois de alcançarmos o caminho rural, tudo se tornou mais fácil e a paisagem ficou menos agreste. O rio estendia-se pelo leito mais largo e já não tinha de galgar a penedia. Passámos o poço do Tendeiro e seguimos ligeiros até ao final. Após alguma procura, lá acabou por surgir o grito da descoberta. Esta teve um sabor especial para o Dragao88, que completou 5000 descobertas e teve a boa ideia e o trabalho de levar bolo e licor para a celebração!

Na continuação da caminhada, não demorámos muito a vislumbrar o Picão de Pena de Águia (GC43VME). Olhando para o mapa, e considerando o percurso que teríamos de fazer pelo caminho definido, tornou-se evidente que poderíamos ganhar tempo e terreno se fizéssemos uma abordagem “à geocacher”. Ou seja, fomos em linha reta para o objetivo. A subida é inclinada, mas a pouca vegetação faz com que a progressão não seja muito difícil. Recomeçou entretanto a chover. Porém, em menos que o pensássemos conseguimos chegar ao Picão. Como as rochas estavam escorregadias, redobrámos os cuidados e atingimos o topo sem problemas. Foi mais um registo com uma vista do tamanho das nossas expetativas. O local permite uma visão larga sobre o vale e a região limítrofe. À nossa volta, tudo era natureza primeva; tudo era Trás-os-Montes! Foi o final perfeito para um dia em grande! Tal como a pedra ou a sopa, o geocaching deve ser apenas um pretexto e não o fim. O importante é a partilha dos locais, dos percursos e das experiências. E esta foi memorável!

A partir do Picão tudo se tornou mais fácil. O percurso até ao local onde tínhamos deixado os carros decorreu sem problemas, apesar do cansaço natural. Foi uma experiência longa, com pouquíssimas horas de sono, num trilho técnico e com condições climatéricas adversas. Porém, tudo redundou numa experiência tão fantástica quão notável. Chegados aos carros, fomos trocar de roupa e seguimos até à capela da aldeia. Começámos então a preparar o jantar, aquecendo a sopa da pedra que tinha sobrado do dia anterior. No regresso a casa aproveitámos para alinhar as recordações da aventura com sorriso aberto de saudade.

E foi mais um fim-de-semana épico, com Sercla_28, Power Red, Dragao88, NecabarSantos, Pirat@ e Jorge_53. Muito obrigado pela partilha destes momentos!

Artigo publicado na Geomagazine#24.

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