Os refugiados

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Continuando a minha viagem de descoberta pelo planeta Terra, esta é a segunda mensagem do meu diário estelar. Os humanos são uma espécie que me intriga e fascina. Têm uma natureza inquieta e nem sempre são de confiança. Ao longo da história foram impondo barreiras e fronteiras entre si. Ao contrário de nós, vivem divididos por países, sociedades e religiões. Contudo, estas divisões não são estáticas e muitos humanos migram em busca de uma vida melhor, por ambição ou obrigação. Na realidade, desde as ancestrais origens africanas, a espécie humana é migrante. Cheguei à Terra precisamente no momento de uma grande migração. Entre uma primavera árabe e um inverno extremista, a Síria desintegrou-se numa guerra civil sem fim à vista. Estima-se que dos cerca de 20 milhões de sírios, 4 milhões fugiram do país e ficaram em acampamentos de refugiados nos países vizinhos. Destes, cerca de 250 mil encetaram uma viagem para a Europa em busca de uma nova oportunidade.

Campo de refugiadosApesar de a guerra já durar há mais de 4 anos, o problema apenas se tornou sério e global quando os refugiados começaram a atravessar as fronteiras da Europa sem baterem à porta. Muitos governos europeus não ficaram satisfeitos com a migração e foram criando barreiras e entraves ao movimento. Segundo as convenções internacionais, os países deverão acolher os refugiados de países em guerra. Assim, a solução mais fácil foi erguer barreiras físicas para evitar a entrada dos migrantes, mesmo que esses mesmos países tenham destruído outras barreiras algumas décadas atrás numa aproximação ao modo de vida ocidental. Para além da questão económica, o principal motivo baseia-se na diferença religiosa. É um facto incontornável que a humanidade lida mal com as diferenças. Existe o receio que a vinda dos migrantes venha a islamizar a velha Europa, um continente com sérios problemas demográficos. Bastará contudo atentar aos números de habitantes e migrantes para perceber a caducidade do argumento. E, na verdade, a Europa deve visar o futuro pela tolerância religiosa, onde as pessoas poderão escolher como podem viver pacificamente a sua religião. Parece estranho, mas é de facto necessário juntar a palavra “pacificamente” à palavra “religião” para que a frase faça sentido, dado que as mesmas podem ser sinónimos ou antónimos, dependendo do contexto.

O cristianismo e o islamismo foram forjados em épocas tumultuosas. Não se pode separar a interpretação dos livros sagrados do contexto da sua criação. Ter fé e/ou acreditar que existe algo para lá do visível é uma condição quase inerente à espécie humana. Contudo, ter fé não pode e não deve inviabilizar que se questione o que se vê, lê e ouve. Importa assumir, sem fantasias ou moralismos, tudo o que se desconhece sobre a existência de Deus e tentar racionalizar o que se conhece. Apedrejar alguém até à morte não pode ser aceite só porque um livro, escrito numa altura em que tal o era, o refere como punição. Por outro lado, a possibilidade de sacrificar um filho não é, definitivamente, um teste de fé. As trevas agnósticas e as perseguições religiosas persistiram durante demasiado tempo na Europa. O futuro do continente deverá continuar a escrever-se pela tolerância religiosa. Se Deus é bondade, ninguém deve usar a religião para fazer mal a outras pessoas, independentemente da sua origem ou credo. Tão pouco a fé deve ser imposta. Assim, é importante que todos, os que já cá estão e os que estão a chegar, respeitem estas premissas.

CriançaNo meio da informação e desinformação, as redes sociais serviram para tentar moldar as opiniões. Basta recortar uma fotografia de acordo com uma perspetiva e o contexto pode alterar-se por completo. Tornou-se difícil perceber o que era verdade e o que era uma perspetiva de mentira. Por cada desmentido inventavam-se meia dúzia de ameaças. Assim, é importante confrontar as diferentes visões para se perceber o que está a acontecer. Diz-se que uma imagem vale mais do que mil palavras. A Europa acompanhou com desinteresse durante meses a crise dos refugiados, mas foi apenas quando uma criança trouxe a morte à costa que percebeu que a própria humanidade se estava a afogar nesta crise. A Europa não se faz apenas de fronteiras, lugares e edifícios. A Europa deve construir-se numa esperança de humanismo. Sabemos que ninguém é historicamente inocente, mas a única forma de esbater as diferenças é através de um perdão geracional e civilizacional. Através da ajuda, aos que cá estão e aos que chegam, este continente estará mais perto do ideal europeu. No passado, a Europa ofereceu e impôs novos mundos ao mundo. Este é o momento de lhe emprestar alguma esperança.

Saudações universais!


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