sunrise@CântaroMagro_18

Regresso à Serra da Estrela para mais um evento sunrise@CântaroMagro. A sétima, desde que nos idos de 2012 achei que seria bom ideia viver um pouco da história que queria escrever. O tempo fez-se inquieto, mas a vontade de regressar todos os anos mantém-se inalterada, sendo que este ano tive oportunidade a oficializar a iuventus, de forma a que a experiência fique disponível sempre que alguém a sonhe. Associadas ao evento principal, as caminhadas deste ano eram mais acessíveis que em anos passados, mas não eram propriamente fáceis. A meteorologia mudou a tempo e a serra, engalada ainda com neve, sabe sempre receber-nos com paisagens fantásticas e segredos natos intemporais.

Manhã cedo de sábado, quando chegámos ao estacionamento da Lagoa Comprida já por lá estavam muitos amigos. Depois dos preparativos investimos pelo paredão da barragem e contornámos o manto sereno de água. Entrámos depois no trilho para a Lagoa Escura, sítio de lendas e uma das lagoas naturais mais interessantes da serra. Tínhamos feito este percurso há alguns anos atrás e é sempre incrível ver surgir inteira a Lagoa Comprida. Dali seguimos em fila para o túnel de descarga do Covão do Meio; é incrível pensar no trabalho necessário para criar tal obra de engenharia, de forma a ir buscar a água ao vale glaciar de Loriga. Visitámos depois o túnel de descarga do Covão do Conchos e apanhámos o caminho para a respetiva lagoa, onde revisitámos o famoso sumidouro. Ainda que o local seja de inegável interesse, fico surpreendido como é que se tornou tão popular, mormente por existirem muitos outros locais mais interessantes na serra. No meio da voracidade turística, o caminho sofre com lixo que se vai acumulando.

Depois do almoço na lagoa, os ritmos divergiram e o grupo acabou por se esticar. Cirandámos até ao Lapão da Ronca e prosseguimos depois para a Nave da Mestra. Foi um prazer reencontrar o grande penedo e descer pela fenda desenhada pela natureza para a Casa do Juiz. Um pouco de soslaio, desejo apenas que neste coração do planalto serrano nunca ninguém faça um vídeo que se torne viral. Após algum descanso prosseguimos para o vale da Ribeira das Naves e, com vistas privilegiadas para os Cântaros e a Torre, apanhámos o caminho que nos haveria de devolver à Lagoa Comprida, onde, como manda a tradição, nos deliciámos com a bela da sande de presunto e queijo da serra. Para trás tinham ficado cerca de 21 km (track).

A viagem para o Cântaro Magro fez-se num instante de um reencontro anual anunciado. Este maciço grandioso faz parte do meu imaginário de criança e a descoberta que seria possível lá chegar acima sem material inspirou uma história que se vai contando a cada ano que passa. Um dos aspetos mais interessantes deste evento é sempre ver a reação de alguém que vê o cântaro pela primeira vez e desacredita que é lá em cima que iremos passar a noite e/ou ver o nascer do sol. De malas aviadas, subimos em fila ainda de dia, vencemos a intangibilidade e ainda fomos a tempo de aproveitar um maravilhoso pôr-do-sol. As pessoas foram-se dispersando pelos melhores sítios de pernoita e, a espaços, fomo-nos juntando para os petiscos, as bebidas e a boa conversa. Inclusive, lá pelo meio, ainda comunicámos com o grupo que estava a pernoitar no antigo edifício do teleférico.

Por volta da meia-noite recolhi-me e revirei o olhar semicerrado para a noite estrelada. Este é precisamente um dos prazeres de ali pernoitar, pela oportunidade de bastar mover a pestana para contemplar todo o universo num esplendor memorável. Já batizado pelos barulhos noturnos do ano anterior, fui preparado para dormir de ouvidos fechados, ainda que na verdade seja apenas um dormitar desperto, em que nem dá para perceber se estamos acordados ou a dormir. De qualquer forma, sempre dá para descansar um pouco. Acordei com o despertador por volta das 4h30 e desci o Cântaro para o estacionamento. Quando lá cheguei estranhei o vazio. Afinal, sem que me apercebesse, e também sem que o entendesse, o telemóvel enganou-me e adiantou uma hora; eram apenas 4h da manhã. Aproveitei então para descansar mais um pouco no carro e lá esperei pelo grupo restante.

Eram 5h quando voltei a subir o Cântaro. Ano após ano, apesar de os repetentes ajudarem à ascensão, o aumento do número de participantes torna a subida mais demorada e complexa. Já no topo, seguiu-se o momento de magia. As pessoas foram-se dividindo entre os grupos mais efusivos e os mais recatados. Clareou e o sol espreitou no horizonte; depois, surgiu inteiro no melhor céu do ano. É sempre um momento incrível, mormente pelo local magnífico! Após a foto habitual seguiu-se uma fila demorada para descer do monólito. Como é habitual, tudo decorreu bem, mas é sempre um momento de alguma preocupação.

Já com o sol a raiar bem alto, seguimos para a praia fluvial de Loriga. O plano inicial era fazer uma caminhada à descoberta das ninfas da ribeira de Loriga. O local, bem escondido entre as fragas, no fundo do vale glaciar que desce da serra, tem de facto uma magia própria das histórias de encantar. No regresso, seguimos até ao centro da vila de carro e continuámos para o Poço da Broca do Serapitel. A caminhada acabou por se alongar, mas ainda fomos a tempo de descobrir mais um local fantástico (track). É espantoso notar a engenharia, movida pela necessidade de irrigar os campos, para desviar o curso do rio e criar aquela cascata/lagoa. O evento terminou com um saboroso almoço no restaurante Império; aproveito a oportunidade para agradecer ao Luís Costa pela colaboração, tanto como guia na sua terra como pela sugestão/organização do almoço.

Não sei exatamente quando, mas é evidente que o sunrise@CântaroMagro acabou por ganhar vida própria e evoluiu para uma multi-experiência, vivida de forma distinta pelos participantes, ano após ano. À sétima edição deixou de ser um ensaio intimista e, de certa forma, tornou-se mais “comercial”, com todas as coisas boas e más que a evolução acarreta. Ainda que eu goste da ideia de o evento ser vivido por mais pessoas, é insustentável que o número de participantes continue a crescer. Entre o dia e a noite, deixei de estar concentrado apenas na experiência que inspirou a história original e passei a preocupar-me mais com os “ses” que podem acontecer quando se coloca e retira cerca de 80 pessoas do cântaro em circunstâncias muito específicas. Assim, para além de uma menor “exposição publicitária”, provavelmente, a próxima edição terá um número limite de participantes. Ainda, tornou-se também óbvio que a liberdade de uns não pode prejudicar o bem-estar de outros. É importante estabelecer regras sobre o barulho para que todos possamos vivenciar o sunrise da melhor forma possível. Rumo a uma experiência mais intimista, muito obrigado a todos que viveram o sunrise@CântaroMagro_18!

As minhas fotos do evento podem ser vistas neste álbum.

sunrise@CântaroMagro_18

Comentários