Após a pernoita no curral da Rocalva, no prenúncio da manhã nublada e fria, acordámos para fotografar o nascer do sol. Porém, como o céu ainda estava fechado acabámos por voltar para trás e prolongámos o descanso por mais uma hora. Depois, de uma forma tão rápida como incrível, as nuvens negras e o nevoeiro começaram a desaparecer e o céu ficou com um azul predominante. Entretanto já tínhamos arrumado as nossas coisas e seguimos para mais um dia de Gerês profundo!
Seguimos para o Cutelo de Pias, onde nos maravilhámos com o manto de neblina que descia o vale. Continuámos para o Estreito do Laço e daí prosseguimos em direção às Sombrosas. Todavia, antes decidimos visitar mais um cume de vistas largas. Este Gerês é um poço infindável de memórias contemplativas! O trilho foi desaparecendo aos poucos e pelo meio começámos a fazer corta-mato. A dado momento, e como estabelecemos como plano descer para o vale do Laço por uma linha de água que nos pareceu mais exequível, optámos por deixar as mochilas para trás, escondidas, e prosseguimos sem peso.
À medida que nos aproximávamos do cume todo o ambiente circundante parecia engalanar-se para nos receber e a máquina ia registando os momentos quase de uma forma intuitiva. Chegados ao local, defronte das Sombrosas, sentimo-nos tão pequenos como um pássaro à conquista da lua. As vistas são realmente fabulosas e enchem a alma de qualquer um. Após uma pequena sessão fotográfica, registamos a visita e voltámos para trás. Recuperámos as mochilas e descemos de seguida pela linha de água, que se tornou mais vertiginosa do que pareceu à primeira vista. Fizemo-nos depois à descoberta das Sombrosas.
Nunca tinha passado no vale do Laço e fiquei impressionado com o espaço verde junto à linha de água, que é deveras bonito e serviu para muitas experiências fotográficas. Apanhámos depois o trilho e seguimos até ao prado da Touça. Do outro lado da encosta andava uma manada de bovinos, mas não vimos qualquer pastor. Atravessámos o rio sem grandes dificuldades e optámos por esconder as mochilas e realizar a subida para as Sombrosas sem peso adicional. A subida é bem durinha e suficientemente longa para testar qualquer réstia de fé que exista em nós. No início seguimos em direção ao gado. Um pouco mais acima reencontrámos outro rebanho no primeiro planalto da elevação. Continuámos a subir, por um trilho referenciado por mariolas e já conhecido pelo Rei. Fizemos uma pequena paragem a meio recuperar o fôlego e prosseguimos.
Quando atingimos o segundo planalto as pernas já estavam cansadas, mas ainda havia mais um monte para conquistar. Durante a subida final dividimo-nos e eu acabei por escolher o pior, tendo ainda de fazer um pouco de escalada ligeira, mas lá consegui chegar ao topo. Feito o registo, fomos depois até ao marco geodésico. Sendo arriscado deixar que algo tão efémero como as palavras ou as fotos descreverem a experiência, foi absolutamente magistral. A visão, lá em cima, é esplendorosa! Durante este dia e no anterior tinha andado a cirandar em torno das Sombrosas, contemplando-as de várias perspetivas, e ali tudo se resumiu a uma sensação inefável de concretização.
Descemos depois e aproveitámos para almoçar no Porto da Laje. Seguimos posteriormente pelo trilho até Fafião, mas a imagem das Sombrosas estava sempre na nossa panorâmica. Subir às Sombrosas é uma experiência inolvidável, qualquer que seja o percurso que se tome, mas em particular de Fafião e sempre com o objetivo no horizonte terá ainda mais impacto. É uma descoberta incontornável do mundo-Gerês e tornou-se numa das minhas preferidas, entre a paz solitária dos rochedos intemporais.
O trilho para Fafião serpenteia pela encosta suspensa sobre o rio, possibilitando inúmeras vistas fantásticas. Ao sair existe uma varanda de onde se pode contemplar o vale por inteiro, entre as majestosas Sombrosas e as lagoas de um azul cristalino. Ficámos com a certeza que somos realmente muito pequenos e pouco mais nos resta que saber admirar este mundo extraordinário!
Serra!
e qualquer coisa dentro de mim se acalma…
Qualquer coisa profunda e dolorida,
Traída,
Feita de terra
e alma.
Uma paz de falcão na sua altura
A medir as fronteiras:
Sob a garra dos pés a fraga dura,
E o bicho a picar estrelas verdadeiras..
Miguel Torga
Diário II