A descritível beleza de subir ao cimo de mim

Certos desejos surgem sem explicação ou contexto. Este nasceu pela vontade de superar um desafio. Bastou uma passagem pelo miradouro de Tibo para perceber que algum dia teria de subir à Fraga das Pastorinhas (ou Nédia) desde o rio Peneda, em cerca de 500 metros de verdadeira aventura. A visita ficou marcada para o dia 25 de maio de 2012. Sabia que este não era um desafio para enfrentar de ânimo leve e convidei um colega para a abordagem. Devido a uma indisponibilidade de última hora, deveria ter cancelado a investida em solitário, mas resolvi manter os planos. A ideia era perceber até onde conseguiria chegar, com a ténue esperança de alcançar o topo.

Ao entrar no Parque Nacional Peneda-Gerês encontrei um nevoeiro sebastiânico e à passagem pelo miradouro apenas era visível um manto branco sobre o vale. Desiludido, desci até ao vale só para ver o rio Peneda. Notei então que o nevoeiro estava restringido à metade superior. Ao chegar ao rio percebi também que o plano de subida, mesmo em condições normais, facilmente iria rio abaixo, dadas as dificuldades em atravessar. Por sorte, acabei por encontrar um tronco de uma árvore a servir de ponte. Só para ver até onde poderia chegar, passei para a outra margem e fui progredindo. Cheguei à base do monólito inferior, aproximei-me do lado esquerdo, e encontrei o primeiro ponto sem retorno. Olhando para cima apenas descortinei nevoeiro e a certeza que se subisse aqueles 10 metros muito dificilmente os conseguiria descer. Subi e encontrei logo de seguida o segundo e definitivo ponto sem retorno. Gatinhei então pela longa laje inclinada sem olhar para baixo e fui progredindo pelo nevoeiro desconhecido que se ia esfumando. Reaproximei-me depois da rocha e subi por onde me parecia mais seguro.

A chegada ao topo da fraga representou um dos momentos mais inolvidáveis que passei num contexto de Natureza. Talvez seja mesmo “o” momento. Foi uma felicidade tangível pela superação do desafio, tanto mental como físico. Para tornar o momento ainda mais especial, o nevoeiro estava mais disperso e já permitia espreitar o vale do rio Peneda e a albufeira do Alto Lindoso. Senti verdadeiramente o mundo aos meus pés. Ao longe, descortinei o trilho pelas míticas Montanhas Nebulosas. Depois de vaguear longamente pelo topo em êxtase, desci à realidade e consciencializei-me que estava apenas a meio da aventura, sendo que a parte mais difícil ainda estava para chegar. Sabia que não conseguira descer por onde subi e considerei seguir para a aldeia da Peneda, regressando depois pela estrada.

Não sei se por instinto ou por inconsciência, resolvi descer pelo outro lado da fraga. Tudo se complicou na descida. Em alguns locais a dúvida era destrepar por paredes inclinadas ou atirar-me pela vegetação picante. Os desafios sucessivos e as incertezas provocaram um desgaste muito grande e atingi os limites físico e mental. Curiosamente, uns anos mais tarde e ao descobrir o trail, haveria de os redefinir, ainda que de uma forma mais controlada e segura. Mais abaixo encontrei uma muralha de vegetação, que transpus em muitas partes a rastejar pelos trilhos dos javalis, na esperança de alcançar o fim da aventura. Ao chegar ao tronco sobre o rio reencontrei a esperança e o êxtase mental da superação voltou a sobrepor-se ao desgaste.

Em cada passagem pelo miradouro penso naquela superação de dúvidas e dificuldades, numa aventura solitária, desconhecida e sem material de apoio. Não voltaria a fazer aquela subida e é justo dizer que desde aquele dia ganhei juízo, mas tenho a consciência que também fiquei com menos histórias para contar. É pena, já que recordar é apenas isso; para viver a Natureza é preciso sair do conforto e descobrir aventuras que nos marquem e engrandeçam!

A descritível beleza de subir ao cimo de mim

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