Dez anos em Lafões. Chegámos em 2008, quando se começavam a definir as linhas de um futuro conjunto. Como é habitual, creio que quando saímos da nossa terra todas as outras começam por ser apenas emprestadas; pelo menos até que o tempo ou o hábito nos convençam do contrário. Lafões era terra estranha, mas suficientemente interessante para nos cativar. Às portas quase escondidas de Viseu, mantinha uma calmaria citadina e um bucolismo rural muito apelativos, com bastantes locais recônditos de natureza primeva à espera de serem descobertos. Dez anos depois, de malas e bagagens rumo aos portos cinzentos, é tempo de olhar pelo retrovisor para Lafões.
Uma das primeiras lembranças que tenho em Lafões é das Termas, para onde fomos morar nos primórdios da nossa vida a dois. As primeiras recordações, que são talvez as mais comuns, estão ligadas aos momentos sobre o rio Vouga no café Bond’Jau, tanto de convívio, lazer, marasmo e/ou escrita. O ambiente peculiar e a envolvência saudosista serão sempre bons convites para regressarmos. Um pouco mais acima, suspenso sobre Vouzela, a senhora do Castelo era um excelente refúgio de natureza dentro de portas. Curiosamente, de início, até o carro se queixava da subida e das curvas; no final, sem que alguma vez o tivesse imaginado, aprendi a divertir-me no sobe e desce consecutivo em corrida pelos seus trilhos para treinar para algumas provas.
Lafões é comummente designado por jardim e isso nota-se. Apesar de nas últimas décadas ter sido paulatinamente invadido pelo eucalipto, o vale oferecia uma vasta área natural valiosa. Notei, em particular, diferenças de poluição assinaláveis entre o meu rio Dão natal e o rio Vouga. Já em relação aos afluentes, as diferenças eram mais profundas. Descobrir rios e ribeiras que desciam impolutos da montanha revelou-se como um verdadeiro tesouro da natureza. Passar uma tarde numa lagoa/cascata de água cristalina, isolado do mundo, afirmou-se uma preciosidade intemporal e um lugar-comum onde será sempre bom regressar.
A proximidade da montanha ofereceu um manancial infindável de descobertas. Associado ao geocaching, nos tempos livres, passámos a vaguear pelas paisagens e histórias. Ano após ano fui conhecendo as entranhas daquelas encostas esquecidas, desde as aventuras na Pena Amarela ao Caminho do Morto que Matou o Vivo, ao namoro interminável por locais incríveis, como a Drave e os seus vales, Rio de Frades e os seus mistérios, a Mizarela e a sua imponência, a Quinta de S. Francisco e o seu bucolismo perdido ou a Pena e as suas encostas escarpadas. Descobri e aprofundei naquela cordilheira o prazer de vaguear em solitário pela montanha, num regresso a uma consciência primordial, mais simples e feliz.
Por uma má coincidência, o nosso adeus a Lafões decorreu pouco depois de um terrível incêndio que espalhou muita tristeza pela paisagem. Tornou-se então mais penoso percorrer aqueles trilhos e estradas de vistas enegrecidas. Cada vislumbre queimado era como se as próprias memórias, de quando tudo era verde e belo, estivessem a arder lentamente para o esquecimento. Ficaram guardadas as que se salvaram, à espera de um reencontro em memórias futuras.
Finalmente, as pessoas. Puxando atrás a fita da memória, não me recordo de um desconforto, mal-estar ou chatice com os lafonenses com os quais me fui cruzando ao longo destes dez anos, desde os prestáveis e encantadores vizinhos e amigos aos simpáticos desconhecidos. Será também um tesouro de descoberta pessoal que guardarei com carinho.
Por tudo, muito obrigado, Lafões! Até já!