A Serra da Estrela sempre exerceu um fascínio sobre mim. Cada regresso era uma oportunidade para contemplar a grandeza e o isolamento desta figura maternal das beiras, erguida pelo tempo num rosto granítico. É fácil gostar da Serra da Estrela. Mesmo do conforto da estrada, a montanha impressiona. Porém, quem quiser conhecer os recantos especiais tem de calcorrear os seus trilhos ancestrais.
Em 2012, imbuído pelo espírito de descoberta e pelo impulso de conseguir subir a serra desde Seia até à Torre num dia, pelos trilhos dos pastores e numa espécie de abandono e regresso civilizacional, desafiei o Sérgio Reis (Sphinx_n_Sophie) e juntos definimos o caminho da aventura. Na primeira abordagem acabámos vencidos pela montanha, através da chuva e da neve. Desde então, já fiz esta subida inúmeras vezes, a última das quais de noite, no contexto da Oh Meu Deus – Ultra Trail Serra da Estrela.
Para além das paisagens arrebatadoras e da superação do desafio, recordo em particular a primeira ascensão. Chegados ao topo, enquanto procurávamos um sítio para esconder a cache, acabámos por descobrir um dos segredos mais bem guardados da serra. Parecíamos crianças a desvendar um mundo novo. A referência ao filme, um dos meus preferidos, acabou por ser tão imediata como natural.
Esta experiência surgiu também no contexto do sunrise@Cântaro_Magro, que este vai ter mais edição, enquanto procurava inspiração para O tempo inquieto.
A cache tem originado experiências gratificantes a quem se sente atraído pelo desafio, que retribuem com excelentes registos. O escolhido acabou por ser o magnífico registo do ZéSampa, que fez a subida em maio de 2013, juntamente com J.Greg e Falopes.
ZéSampa found iNtO tHe WiLd
iNtO tHe WiLd“There is pleasure in the pathless woods,
There is a rapture on the lonely shore,
There is society, where none intrudes,
By the deep sea, and music in its roar:
I love not man the less, but Nature more…”Lord Byron, Childe Harold
PRÓLOGO
A história desta cache remonta a muitos meses atrás… Não o seu início ou preparação, mas antes a sua descoberta, tal como a vontade de a alcançar!!!
Fora já no longínquo Outono de 2012 aquando do primeiro evento em que eu e J.Greg corajosamente decidimos investir que, por acaso, ou não, tropeçamos na até então desconhecida iNtO tHe WiLd!!! Imagine-se que tal epopeia chegou a constar da bookmark por mim compilada para tal evento, como que um lembrete que jamais se iria apagar…
O objectivo passava por conhecer as “Aldeias de Montanha” do concelho de Seia mas acabaríamos por conhecer muito mais!!! Não só tivemos o nosso primeiro contacto com o lado social do Geocaching mas também o contacto com o Lado Selvagem da imponente Serra da Estrela!!! Não foi só paixão… Foi muito mais!!! Foi amor à primeira vista!!! E a maior prova de amor que lhe poderíamos dar era percorrê-la e nela nos perdermos… O que em poucas palavras se traduziria na experiência prometida pela iNtO tHe WiLd!!!E, assim, rendidos a tamanho desafio e aventura, de imediato a paixão tomou conta dos nossos sentidos e, profundamente inebriados, mal víamos a hora de algum dia a conquistar… Mas como reza o sábio ditado popular: longe da vista, longe do coração… E a outrora inebriante paixão, adormeceu, como que hibernando sob um espesso manto de neve branca… Mas a chama não se apagou… E ela, mais tarde ou mais cedo desabrocharia com o brilhar dos primeiros raios de Sol de Primavera!!! Até porque prometemos a Susué que iríamos voltar!!!
Contudo, tal dia tardava em chegar… Ou não estivesse a Primavera mais preguiçosa do que nunca… Todavia, os nossos relógios biológicos sabiam que estava mais do que na hora de partir à descoberta dos profundos vales e altos cumes da Serra da Estrela!!! Assim e como há muito não se partia rumo a mais uma grande aventura geocachiana, era hora de agendar a tão ansiada expedição!!! E desta vez não estaríamos sozinhos!!! Falopes integraria a equipa imediatamente auto-proclamada de Badjoras Team!!!
E assim começou a Aventura!!! Ou melhor os preparativos para a Aventura!!! O que, diga-se de passagem, dava, por si só, para escrever um livro… Porque isto de ser eternamente Maçarico nestas andanças dá um sabor especial a cada pequena etapa que se completa!!!
Foi quando se sucederam as inevitáveis visitas a algumas das lojas da especialidade… O que, por vezes, nos deixava com mais dúvidas do que respostas… Afinal, ao que parecia, não éramos os únicos a acusar a falta de experiência… Só faltou terem-nos sugerido umas barbatanas ou quem sabe umas pomposas sabrinas estilo Luís XIV!!! Deste modo, não era de admirar que as dúvidas fossem mais do que muitas. Iniciando-se, assim, o primeiro dilema de J.Greg… O que calçar?? Dilema que após muita pesquisa e algum sábio aconselhamento, passaria por encomendar as já famosas moto-roçadeiras, pelas quais se aguardou ansiosamente, até ao dia da sua caminhada inaugural!!! Verdadeiros cascos prontos a desafiar qualquer adversidade atmosférica ou problema de aderência, feito apenas ao alcance de algumas “cabras caprinas”…
Posto isto, aos poucos tudo se aprontava, como que conspirando para o grande dia!!! Ou melhor, grandes dias!!! Pois, fruto da nossa inexperiência e porque queríamos usufruir calma e plenamente da envolvência da Serra da Estrela, decidimos dividir a odisseia em duas partes, seguindo no primeiro dia até à Lagoa Comprida e deixando a subida até à Torre para o dia seguinte! Até os astros se pareciam alinhar a nosso favor!!! Pois, enquanto poucos dias antes da aventura um forte nevão invadira a Serra, nos dias marcados para a expedição a Primavera fora rainha e senhora do Parque Natural da Serra da Estrela!!!
A AVENTURA
1ª Parte – Seia —-> Lagoa CompridaE, assim, com tudo a postos e com muita ansiedade e nervosismo à mistura, partimos rumo à grande aventura que seria a imponente iNtO tHe WiLd !!! Mas antes, em jeito de despedida do mundo civilizado, ainda houve tempo para o belo do cafezinho matinal! Um último luxo antes das longas horas de imersão que nos esperavam no Mundo Selvagem!!! Finalmente, após o sempre agradável momento degustativo, iniciamos a caminhada rumo ao segundo ponto!
A subida inicial ainda que por entre asfalto é como que uma fase embrionária e passageira para o que ainda havia de vir… Como que uma ponte ou portal que permite a subtil e progressiva passagem entre o mundo civilizado e o Mundo Selvagem, fazendo com que aos poucos nos fossemos abstraindo do mundo a que estamos habituados a habitar e o mundo puro e simples mas, por outro lado, imensamente belo e tranquilizante… Assim, sem que déssemos por nós, poucos minutos depois, nada mais interessaria ou nos ocuparia a mente, para além daquilo que os nossos sentidos apreendiam… É esta a magia única e inimitável que a Natureza despoleta na imensa profundidade dos nossos neurotransmissores!!! É por isso e muito mais que a procuramos e somos levados a querer percorrer cada um dos seus intermináveis recantos!
Percorrida a estreita passagem, em instantes estávamos já embrenhados nos imensos territórios do Parque Natural da Serra da Estrela!!! Chegados ao Soito das Varelas, já por entre trilhos, um sentimento nostálgico e de redescoberta invadiu-me a mente… Ou não fora ali que meses atrás partilhara sorrisos e emoções na descoberta de mais um tesouro com os ainda tenrinhos Susué!!! Com eles e o geofelino que, mais uma vez, nos brindou com a sua companhia, proporcionando o recriar de mais um momento único destas andanças!!! Registado o momento, a subida começava-se já a fazer sentir… Pormenores quando temos como consolo a serena Natureza ainda meia adormecida e o vasto horizonte a nossos pés!!! Calmamente e sempre por entre conversas e animadas palavras chegámos ao segundo ponto!!! Mais um local de meditação e devoção, guardado por mais um curioso fenómeno natural, tal qual brincadeira da Natureza que, por puro gozo ou inspiração, se decidiu divertir com as formas de mais um rochedo!!! E claro, não podíamos vir de lá sem mais umas pedras atirarmos, esperando que a profecia se repita por muitas e mais vezes!!! Com mais um registo a favor de Falopes, retomámos a romaria até à próxima etapa, desta vez já por trilhos que nos eram desconhecidos…
Mas antes de continuarmos a expedição, estava na hora de reabastecer as reservas e ter mais um momento de descontração em plena Senhora do Desterro com o agradável som do rio como banda sonora, regado não com água, mas com um fortificante Martini com cerveja!!! Nada demais… Tirando o facto de serem cerca das 10:00 horas da manhã e termos ainda uns valentes quilómetros pela frente… Foi como que uma última recompensa e incentivo para o que ainda havia de vir… Sem dúvida, mais um fraterno momento, apenas manchado pela queda do precioso telemóvel de Falopes, cuja “retina” não resistiu ao choque… Um “pequeno” percalço que não nos impediria de continuar o nosso grande objectivo! E, como tal, Falopes, determinado e seguro de si, mostrou de que é feito e, apesar do ar consternado, em poucos minutos ultrapassaria o choque e tristeza, entregando-se de corpo e alma ao Mundo Selvagem!!! Força Falopes!!!
Já no trilho a paisagem começava a ganhar um outro tom e por completo se parecia transformar!!! A dureza dos quilómetros anteriores parecia agora atenuar-se com a beleza e serenidade da levada!!! O misto de verde e dos reflexos do sinuosos corredor de água, sempre acompanhado de múltiplos tons primaveris, deslumbravam-nos a cada passo, num sentimento de paz e delírio psicadélico que de forma incessante nos incentivava a continuar!!! O tempo voava! E lá do cimo a imponente Câmara de Carga fazia lembrar uma varanda para um mundo a desbravar!!! Incrível obra de engenharia e do homem que com génio e engenho por ali rasgou montanha domando e controlando os preciosos elementos da Natureza!!! E pensar que alguém na noite anterior chegou a sugerir tal percurso como aquecimento nocturno… Certamente não teria sido a mesma coisa…
Assim, após o avistamento do Açor, Vale do Alva e a inclinada Lapa dos Dinheiros, tudo isto na prazerosa e cantante companhia da levada cujas águas de forma vertiginosa se atiravam Serra abaixo, prosseguimos… E, sem que déssemos por nada, com esta curta pausa teríamos o nosso último contacto com outros da mesma espécie, pois, praticamente até ao ponto final deste nosso longo dia de jornada, estaríamos apenas entregues a nós próprios… Daí em diante, seríamos só nós e ela!!! A Serra, a Estrela!!! E por ela continuamos, por entre as suas encostas, flora e fauna, de olhos sempre postos nos profundos vales da montanha!!! Foi quando, após mais uns prazerosos quilómetros de subida suave, chegámos ao próximo ponto da viagem! Aí tivemos o prazer de conhecer o imponente e lendário Diabo e os seus famosos Cornos, bem como a fresca e cristalina represa, que pouco ou nada se assemelha a um inferno!!! Antes pelo contrário!!! É um tentador convite a banhos!!! Houve ainda quem se tentasse aventurar por entre aquelas águas gostosas!!! Mas o aprendiz a Tubarão da Caniça não se ambientou à temperatura daquelas correntes, ficando-se pelo rápido e tímido chapinhar!!! Ainda assim, foi um belo avistamento deste raríssimo espécime de curvas arredondadas, escamas avermelhadas e de espírito aventureiro!!! Banhos não houve mas já não se pode dizer o mesmo do belo do repasto!!! Tal local e sua imensa beleza e frescura não podia ter surgido em melhor hora e, não desperdiçando a oportunidade, rapidamente preparámos o merecido almoço!!! Com a toalha estendida e de água na boca, os pequenos manjares de sabores e texturas diversas souberam que nem ginjas!!! Mas, mais uma vez, e apesar do Natural tentador convite de por ali permanecer por muitos e longos minutos, a missão ainda estava longe de terminar…
E assim, após um curto momento de reflexão e rápida fotossíntese ao quente Sol e frescura da represa, continuamos rumo àquela que viria a ser a etapa mais dura de toda esta grande aventura… A ascensão até ao cume do monte do Carvalhalzinho… Aquele que seria o segundo e grande dilema de J.Greg… Que há semanas e semanas, estudara mapas, relevos e altitudes, imaginando e perspectivando a impiedosa subida, por entre rochas e rochedos, rumo ao desconhecido… Afinal rezavam as crónicas que essa seria a parte mais difícil de todo o trajeto, aquele troço que estaria ainda, praticamente, por desbravar, que no limite das nossas forças nos faria temer pelo quebrar das barreiras dos nossos limites físicos e psicológicos… Mas isso ainda estaria para vir… Se bem que no fundo das nossas mentes a temida subida, já batia lá no fundo, querendo perturbar o nosso subconsciente… Até lá ainda haveria um bom pedaço de Serra a calcar… Passando pela subida até ao Cornos do Diabo, marcada pelo aliviar de Falopes e claro está, pela sua vista e vertiginosa altura… Bem como um merecido desvio até ao profundo e inalcançável buraco do Sumo da Caniça, por entre o sinuoso e serpenteante caminho romano tão tipicamente “perfumado”… Atravessando o Pontão da Lapa dos Dinheiros sobre as azuladas águas da Ribeira da Caniça, ao que se seguiu uma curta paragem junto ao imponente e solitário bloco granítico do Porto de Bois…
Aqui chegados a visão era já outra… Afinal, estávamos já sob o olhar atento do imponente Maciço Central que lá do alto nos mirava, como que três pequenos pontos perdidos na imensidão do Parque Natural da Serra da Estrela!!! Foi então que com o horizonte bem à frente dos nossos olhos nos apercebemos do que ainda estava para vir… Agora sim, depois de muitas e longas horas perdidos no Mundo Selvagem e já com muitos quilómetros em cima das nossas já cansadas pernas, estaríamos, finalmente, em contacto com a verdadeira Montanha!!! Diante de nós erguia-se a Estrela, numa imensa e árida encosta coberta em tons de cinzento granítico… A imponente visão esmaga-nos perante tamanha imensidão, principalmente quando sabemos que é essa a barreira que nos propomos transpor, ignorando por completo o que nos espera no cimo de tal gigante… Era por tudo isto e muito mais que J.Greg perdia horas de sono… A ascensão ao Monte Carvalhalzinho aproximava-se a passos largos!!! E, aos poucos, um sentimento de medo, pequenez, cansaço e ansiedade apoderava-se de nós… Mas nada nos faria parar!!! Ou não estivéssemos nós a poucos e suados metros do fim do primeiro dia da nossa hercúlea aventura!!!
Assim, após o fim do trilho iniciámos o percurso até ao tão temível ponto quatro do percurso… Se a imponente visão da encosta mete respeito, a quantidade de obstáculos que abunda no fundo do vale também parece não facilitar a nossa tarefa… Todavia, com calma e muita persistência avançamos por entre rochedos e o frondoso mato que de forma luxuriante cresce no fundo do vale… Talvez por força do cansaço e do desgaste físico e psicológico, nunca 500 metros pareceram tão longos… Que o diga Falopes que já no seu limite físico e com muito pouca paciência, barafustava incessantemente, farto de andar às voltas, por entre o agreste e queimado mato que com garras afiadas e mãos queimadas teimava em nos abraçar… Sem dúvida um verdadeiro teste às nossas capacidades de discernimento e determinação!!! Nada que um grande companheirismo, mútuo apoio e compreensão não fosse capaz de ultrapassar!!! Assim, de pedra em pedra, por entre a sempre agreste flora ou aquilo que resta dela e ao som de animados e fervorosos “cânticos”, finalmente chegávamos ao perdido ponto 4 da nossa caminhada!!! Após uns curtos minutos de descanso, aproveitados para fazer os respectivos cálculos e já com a estratégia delineada para a ascensão até ao monte do Carvalhalzinho, escolhendo a forma como abordar a íngreme encosta, reiniciámos a caminhada! Abandonando a segurança da track estaríamos por nossa conta e risco… Agora apenas a nossa destreza e capacidade de orientação seriam capazes de nos levar a bom porto, mas como o objectivo fica no cimo de Portugal continental, não havia muito que enganar…
Cá de longe escolhemos o local por onde iniciar a subida pouco mais do que em função da inclinação e do terreno… Critérios que pareciam não ter grande ciência mas que no momento nos pareciam ser os mais lógicos… Com a subida em mente, mais uma vez desbravando caminho pelo imenso vale e desta vez praticamente em linha recta, para deleite de Falopes, após mais uns suados minutos chegámos à base do monte… Foi só o curto instante de respirar fundo e iniciar a grande subida enquanto lá bem no fundo das nossas cabeças parecia ecoar uma épica banda sonora, digna de com pompa e circunstância assinalar tamanha conquista!!! Aí o declive e o terreno acidentado puxava pelo resto das nossas energias que nem um teste de fogo às nossas últimas resistências físicas, mas o desejo de dar por finda esta nossa primeira etapa era mais forte de que tudo o resto!!! Foi quando nos apercebemos que nem tudo estava perdido, pois, por mera sorte ou quem sabe por ironia do destino, nos encontrávamos num trilho que nos conduziria até à grandiosa Lagoa Comprida!!! Assim, de mariola em mariola, de marca em marca, serpenteando por entre os incontáveis afloramentos rochosos dominávamos o monte do Carvalhalzinho!!! Lá de cima a vista compensou tudo o resto!!! E com os olhos postos sobre o vasto vale da Caniça e num último momento de descanso deste primeiro dia de jornada assistimos ao Sol timidamente despedir-se de nós!!! Se antes a majestosidade do grande Maciço Central nos fazia sentir pequenos, agora erámos nós que já nos seus ombros nos sentíamos grandes como fortes e suados guerreiros que após longos e duros combates conquistavam novos territórios, afinal acabámos por deixar a nossa marca!!! Agora que venham mais guerreiros conquistarem-na!!! (visit link)
E foi assim que, num misto de êxtase e cansaço, partimos para o mais do que merecido descanso, já com saudades e sedentos de mais aventura pela imponente Serra da Estrela, o que não demoraria muito… Pois, poucas horas depois voltaríamos ao Grande Maciço Central, para mais uma vez nos perdermos no Mundo Selvagem…
2ª Parte – Lagoa Comprida —-> Torre
Depois de um belo dia passado por entre os trilhos da Estrela na companhia única e inebriante da Natureza que num apoteótico festival de cores e sons nos recebeu de braços abertos, era hora de regressar ao Mundo Selvagem e de novamente nos perdermos nesta dimensão quase que alternativa, abstraindo-nos de vícios e materialismos desmedidos, em busca da simples e única sensação de felicidade e contemplação da mãe Natureza!!!
Assim, com o desejo profundo de nos voltarmos a perder e descobrir mais recantos da Serra da Estrela, em mais uma manhã quente e solarenga partimos desta senda em direcção ao imponente Maciço Central!!!
Chegados à Lagoa Comprida a altivez da Serra fez-se logo notar!!! No alto dos seus 1500 metros parecia querer subjugar todo o horizonte a seus pés, envolvendo tudo o resto sob um espesso manto de nuvens brancas que como um enorme oceano parecia inundar os imensos vales e planícies nas suas profundezas!!! Sem dúvida a Serra estava decidida a nos impressionar, recebendo-nos com um mistério e misticismo único, lembrando lendas e mitos, capazes de nos fazer viajar por entre o nosso subconsciente imaginário!!! Assim, não seria de espantar que a ansiedade de calcorrear a vastidão do Maciço Central fosse mais do que muita!!!
Mas antes, aproveitando a companhia de Susué e o recém-conhecido geocacher TIMONN, ainda haveria tempo para um merecido tributo aos pastores, gente que faz destas áridas terras forma de vida… A caminhada foi um apropriado aquecimento para o que ainda havia de vir e permitiu-nos conhecer outros recantos que, de outra forma, teriam escapado aos nossos olhares… Num agradável percurso, para além da típica flora e fauna que ecoava a cada passo, a caminhada levou-nos a conhecer as lagoas do Covão do Forno e do Covão do Corral, apenas algumas das muitas e características lagoas que inundam cada recanto mais profundo das encostas da Estrela! Com o registo feito e despedindo-nos dos restantes companheiros de vício, retomámos a grande aventura!!!
De volta ao enorme paredão da Lagoa Comprida, mais uma vez, a paisagem parecia transformar-se… É incrível a diferença dos tons e vegetação que a Natureza parece tomar num curto espaço de quilómetros!!! Enquanto lá em baixo no vale da Caniça o verde domina por completo a paisagem, crescendo a vegetação livre e luxuriosamente, cá em cima na aridez do Maciço Central, pouco ou nada parece crescer!!! Apenas a vegetação mais resistente às rigorosas condições climatéricas da Serra da Estrela é capaz de aí fixar as suas raízes, crescendo e contorcendo-se, quase que rastejando prestando a devida vénia à imponência da Estrela!!! Apenas os mais fortes resistem à sua majestosidade! Todavia, em tempos de Primavera, a dura montanha parece dar tréguas, deixando a rasteira e agreste vegetação explodir de cor e vida como que despertando de um longo período de hibernação!!! Aqui e ali por entre os múltiplos tons de verde e castanho, surge o rosa, lilás, amarelo e branco, dando uma nova vida e cor ao sempre presente tom cinza do grande gigante couraçado que aparenta ser o Maciço Central!!! Com tamanha explosão de cor, não é de admirar que toda a fauna saia à rua!!! A cada passo nos cruzávamos com um ou outro habitante da Montanha que com serenidade e pacatez nos presenteava com a sua presença, como que desconhecendo por completo a presença humana!!! Não seria de admirar que nos sentíssemos em uníssono com a Natureza!!!
E assim, percorrendo os imensos trilhos rasgados por entre o topo de Portugal continental, prosseguimos rumo à descoberta de mais belos locais que a Montanha ainda nos reservava!!! Sempre por entre as mariolas e os estreitos trilhos calcados por anteriores exploradores encaminhámo-nos em direcção ao próximo ponto desta grande aventura!!! A caminhada prosseguiu um ritmo normal e sem grandes dificuldades pois nesta parte do percurso a subida é bastante suave o que permite a fácil contemplação do horizonte pintado aqui e ali por alguns pedaços de neve branca que brilhava sob os quentes raios de Sol!!! Fazendo um ou outro curto desvio fomos visitando e acima de tudo deslumbrando recantos de beleza inigualável, como a Fraga da Pena Ruiva e a sua vista privilegiada sobre algumas das mágicas lagoas da Estrela!!! Ou ainda o longo desvio feito até à perdida Lagoa do Covão dos Conchos que sob um ensurdecedor cântico das rãs e sapos nos convidou a descobrir o invulgar e misterioso funil que como um enorme buraco negro parece querer engolir tudo aquilo que se atravesse no seu caminho!!!
De regresso ao trilho que nos conduziria ao mais apetecido dos tesouros, a subida começou a agravar-se… A Montanha mais uma vez impunha a sua vontade… E apesar do Sol que raiava acima do grande Maciço, a brisa do vento acentuava-se, bem como a temperatura que progressivamente baixava à medida que nos aproximávamos do quase inalcançável cume… Ao longe as imensas nuvens que cobriam o vasto horizonte aproximavam-se como que querendo varrer os cumes mais altos… O tempo parecia perseguir-nos… Mas com calma, seguindo as sempre presentes mariolas, por entre rochedos, subidas íngremes, cursos de água e alguma neve, chegávamos ao sexto ponto da nossa expedição!!! Curiosamente não muito longe dali, no remoto ano de 1881, tal local fora o escolhido por bravos exploradores, que tal como nós, se aventuraram rumo ao desconhecido, tendo ali assentado amarras e montado o seu acampamento… Os tempos eram outros… Mas a magia e mistérios da Estrela serão sempre intemporais! O nosso humilde “acampamento” reduzir-se-ia a um simples mas sempre reconfortante farnel, que, em mais um momento de reflexão e descanso, nos permitiria recuperar física e psicologicamente para o que ainda haveria de vir… Esta seria a última grande paragem do dia… Pois, o vento soprava já forte e todo o tempo do mundo parecia não ser o suficiente para alcançar o desejado destino!!! Contudo, uma nova luz parecia iluminar o nosso caminho enchendo-nos de fé e esperança… Afinal, finalmente após cerca de 35 quilómetros avistávamos a famosa Torre!!! Só então o inalcançável começava a parecer estar ao nosso alcance, desvanecendo aquilo que quase já parecia ser uma espécie de miragem ou sonho!!! Tal visão era o estímulo extra que necessitávamos para fazer bombear mais forte a nossa renovada paixão pela celeste Serra!!!Mas se a visão da Torre foi o estímulo que fez atear a nossa paixão, os momentos que se seguiriam seriam a sua confirmação!!! Não a confirmação de uma qualquer paixão, fogaz e passageira, mas antes o consolidar de um profundo e eterno amor!!! Afinal, a descoberta dos dois últimos pontos da caminhada, seriam, na minha humilde opinião, os pontos altos de toda esta imensa aventura!!! Aqueles momentos, que por si só, justificariam todo o esforço e a longa espera!!!
Nada fazia antever a perplexidade e delírio que seria dar de frente com o majestoso Fragão do Poio dos Cães ou a descida à profunda garganta de Loriga!!! Dois locais de indescritível beleza atravessavam-se no nosso caminho, demonstrando novamente a diversidade de espaços e beleza presente nos outrora denominados Montes Hermínios!!! Se por um lado a majestosidade titânica do Fragão e a sua vista para o imenso Vale da Candeeira nos faz reduzir à nossa insignificância, por outro, a profunda Garganta coberta por uma espessa e escura névoa que envolvia todo o vale glaciar de um mistério único e tenebroso, faz-nos temer pela dureza e a sempre omnipresente vontade da Montanha a quem devemos total obediência… Com tamanhos avistamentos e choques sensoriais, que a cada passo me faziam soltar constantes exclamações de deslumbre e espanto… (Julgo nunca ter dito tantas vezes seguidas a palavra “lindo”…) Não seria de espantar que por longos instantes o geocaching tivesse passado para segundo plano, limitando-nos estas três pequenas e deslumbradas almas a beber, respirar, sentir, cheirar e contemplar a beleza do Mundo Selvagem… É nestes momentos de tamanha grandiosidade que a mais apurada escolha de palavras e adjectivos é de todo insignificante e incapaz de descrever tais visões e sentimentos… É por isso que mais vale uma imagem do que mil palavras… E não… Não basta uma qualquer imagem captada em película ou ficheiro composto por milhares de milhões de pixéis… Pois, não chega ver a Montanha… É preciso senti-la… Sentir o seu cheiro, o seu vento e acima de tudo o seu carisma!!!
Com tamanha embriaguez não seria de espantar que os pontos necessários à descoberta das coordenadas finais nos tivessem passado ao lado… No cimo do imenso fragão, à ponta do abismo, deslumbrados com a vista e sob as fortes rajadas de vento, nada vimos… Valeu-nos uma “dica” prestada por Cruz na trocas de e-mails que antecederam a aventura!!! Enquanto que no ponto 8, entre a Lagoa do Covão das Quelhas e a Lagoa Serrano, as figuras geométricas traíram-nos… Ponto que agora está bem mais claro com as recentes alterações à listing…
E assim, já com as coordenadas finais obtidas… Ou pelo menos era o que nós pensávamos… Sedentos por alcançar o desejado tesouro profundamente plantado junto ao vertiginoso topo da nação, dirigimo-nos em direcção à última das subidas!!! Todavia, e apesar de o fim de tamanha epopeia estar já bem próximo, a longa jornada produzia inevitáveis mazelas nas nossas já debilitadas forças… Que o dia Falopes, ansioso por regressar à Civilização, e que num novo surto de “má disposição” barafustava incessantemente, por mais uma vez estar farto de “andar às voltas”… Mas com o esperado final tão próximo e com o incentivo de alcançar o recôndito “Santo Graal da Estrela”, nada nem ninguém nos impediria de num último esforço proclamar aos quatro cantos do mundo que o encontrámos!!! Deste modo, alienando-nos das nossas sofridas condições físicas e mentais, de cabeça erguida e peito cheio, dominámos mais uma colina e chegávamos ao local que julgávamos ser o esconderijo do tesouro… Foi quando, depois de alguns minutos de buscas, nos apercebemos de que algo estava errado… Novamente um sentimento de desespero e insegurança invadiu-nos a alma… Seria este o fim de tal epopeia?? Seria a nossa aventura coroada por um enorme sentimento de frustração??… Seria esse o destino que a vontade da Montanha nos teria traçado??… Todavia e por uma última vez não nos deixaríamos vencer!!! Jamais a Montanha nos derrotaria com tamanha ingratidão!!! Ela melhor do que ninguém sabia a tremenda homenagem que lhe prestámos… Afinal, por ela tínhamos movido Montanhas, num desejo único de eternamente nos perdermos no seu âmago… E, claro, sabendo disso, deu-nos uma segunda oportunidade… No fim de contas, tudo não passara de um pequeno erro de cálculo ou não fosse a própria Estrela um polígono equilateral, equi-angular que se auto intesecta… Confusos??? Pois… Também nós… Valeu-nos um último sopro de vida dos nossos telemóveis, uma temporária força da rede e a sempre disponível ajuda de Cruz!!! Bem… O que depois se seguiria fica no segredo dos Deuses… Mas preparem-se pois a aventura ainda não terminou… Contem com o inesperado… Armem-se com garras e dentes e deixem-se levar… As luzes apagam-se e um novo e escuro mundo vos levará até às profundezas da Serra!!! Isto é iNtO tHe WiLd………..
EPÍLOGOE assim, após cerca de 45 quilométros dávamos por finda esta grande aventura!!! Não foi só mais uma aventura… Foi A AVENTURA!!! Uma experiência irrepetível e inolvidável! Um grande e sentido tributo à Estrela e ao seu imenso Mundo Selvagem!!! Um Mundo que parece não ter fim… Que nos alimenta a alma, que nos chama e faz voltar a cada instante como que uma viciante droga que nos seduz segredando em inquietude aos nossos ouvidos… Acreditem, muito mais ficou por contar… Mas como por vezes o mais importante é aquilo que fica por dizer, por entre este interminável labirinto de palavras me despeço… Recriando momentos e sentimentos, viajando uma e outra vez até à Estrela, reencontrando novamente o meu Lado Selvagem… Nele me perdi, nele me revi, nele me reencontrei, deixando para traz tudo aquilo que tinha unicamente com aquilo que levei… Nada deixei mas muito recebi e finalmente percebi que por mais que a felicidade exista para lá de vales e Montanhas, ela só fará sentido quando partilhada… A muitos tenho de agradecer… Mas apenas a dois dedico este “diário de bordo”: J.Greg e Falopes! OBRIGADO!!!
E finalmente um conselho… Não percam tempo… Atirem-se a ela!!! Porque:
“There’s a big
A big hard sun
Beating on the big people
In the big hard world”
(visit link)Feita na companhia de J.Greg, o Chefe, e Falopes, o Fotógrafo!!!
In: TB – Badjoras Monkey e um IMENSO FAVORITO!
Out: Uma experiência inesquecível e uma paixão assolapada pela beleza inalcançável e indiscritível da Serra da Estrela!!!Muito Obrigado Por Esta Experiência!!!
Voltaremos…………
FIM