As torres do tempo – Sierra de Francia

Numa viagem que tinha como desafio final a ascensão ao Almanzor, facilmente percebemos que teríamos de passar pela Sierra de Francia, uma elevação que faz parte da província de Salamanca e possui inúmeros motivos de interesse. Cruzámos a fronteira em Vilar Formoso e após uma passagem rápida por Ciudad Rodrigo, que já conhecíamos, seguimos para o nosso primeiro ponto de interesse: a Peña de Francia. Toda a região parece abençoada por este cume, que se avista de todo o lado. A estrada serpenteia pela encosta e, à medida que subimos, a paisagem vai surgindo panorâmica e imensa ao nosso olhar. A formação rochosa do pico impressiona pela sua verticalidade e imponência. No topo foi construído um santuário que vai celebrando a aparição da santa. Mesmo para um coração agnóstico, no que toca a aparições, quanto mais altas melhor. Dali avistámos o nosso périplo por Espanha, enquanto íamos apontando ao horizonte os dias a haver.

Depois da visita à Peña, descemos o monte e parámos em La Alberca. A visita à aldeia surgiu como sugestão de última hora, mas revelou-se fantástica. Saímos de lá com a ideia que, apesar do turismo, havíamos visitado um dos locais mais típicos e únicos que conhecemos. Cirandar por aquelas ruas apertadas e enfeitadas foi como remomerar todas as eras humanas que criaram a aldeia. Tudo ali parecia pertencer apenas a La Alberca, tanto pelos edifícios trabalhados e enfeitados com pormenores diversos, como pelas pessoas.

Manhã cedo, fizemo-nos a caminho de La Torreta. Desde que, há alguns anos atrás, tinha visto a imagem da enorme torre em equilíbrio que a descoberta tinha ficado agendada. As expetativas eram muitas, mas ainda assim foram derrubadas pela imponência do monólito, impecavelmente enquadrado por uma paisagem antiquíssima e avassaladora. O trilho para chegar à Torreta revelou-se excelente! Vamos sempre na mesma curva de nível e podemos vislumbrar o vale inteiro das Batuecas. A meio do caminho encontrámos uma jaula cravada na rocha que deve servir para guardar os animais domésticos durante as longas vigílias noturnas e nos recorda de quão difícil pode ser sobreviver à solidão naquela montanha. Chegados à Torreta, parece que somos levados para outro tempo, quando os nossos antepassados mais longínquos viviam em grutas. Tudo ali parece ter ficado parado nesse tempo. É fácil imaginar hominídeos à volta de uma fogueira junto à zona aplanada que sustém a torre. Mais acima, uma gruta mostra ainda as pinturas desse tempo perdido. Comum a todas as eras, La Torreta continua a dominar o vale. Falta saber por quantos milhões de anos se manterá o equilíbrio! O percurso linear, de cerca de 8 km, pode ser analisado/descarregado aqui.

Tendo visitado um dos principais motivos de interesse para esta viagem à Sierra de Francia, faltava o outro: o Vale de Batuecas. A primeira vez que vimos imagens do mosteiro de San José, enquadrado com o vale, ficámos fascinados. Infelizmente, só quando chegámos ao local é que percebemos que o mosteiro ainda é o que era e o espaço não pode ser visitado. A árvore que cresceu no topo da estrutura da entrada, junto ao sino, ainda nos espicaçou mais a curiosidade.  De qualquer forma, tínhamos um vale inteiro pela frente para descobrir. O percurso acompanha o rio Batuecas e passa ao lado da quinta. Enquanto íamos progredindo, a poesia fazia-nos companhia, juntando a melodia das águas cristalinas. Tudo ao nosso nível era verde; levantando o olhar víamos os gigantes de pedra que vão guardando o vale.

Ao longo do percurso surgem várias lagoas, onde aproveitámos para nos refrescarmos. O ar é bastante abafado e sol mantém uma presença implacável por entre as sombras. Trata-se de um microclima semelhante ao vale do Côa. Parece que para os nossos antepassados, quanto mais quente melhor. Ao longo do vale existem vários locais onde é possível ver gravuras rupestres. Ou melhor, existem vários canchais: pequenas grutas na rocha onde foram pintados desenhos difíceis de interpretar para olho leigo, entretanto transformadas em jaulas para evitar a vandalização. Arriscamos dizer que o rei dos hominídeos do vale das Batuecas deveria viver na Catedral, também conhecida como Cueva de Cristo. Não é fácil descrever o que gostámos mais neste rochedo imponente, se a passagem vertiginosa do acesso, a vista maravilhosa para o vale ou as gravuras propriamente ditas. Se quando visitámos La Torreta imaginámos que os nossos antepassados andariam por ali, na Catedral essa sensação é por demais evidente. Tudo ali cheira a pré-história. E aquelas passagens em vertigem pelas escarpas? Memorável! Explorámos o vale desde o mosteiro até que o rio era apenas uma ténue linha de água galgando a penedia. No cimo do vale aproveitámos ainda para tomar um banho reconfortante de uma cascata com alguns 20 metros de altura.

No regresso aproveitámos para mais alguns momentos de descanso junto ao rio e ainda tivemos a oportunidade para apreciar a melhor vista do vale da ermida de San António, que fica sobranceira sobre o mosteiro. À boa maneira geocacher, acabámos por fazer uma abordagem direta, subindo a encosta íngreme. Porém, quando chegámos à ermida todo o esforço foi recompensado com a visão maravilhosa. Percebemos depois que afinal existia um trilho que saía do mosteiro e que oferecia mais alguns pontos de interesse pelo caminho, como viemos a descobrir. O percurso linear, de cerca de 13 km, pode ser analisado/descarregado aqui. No final, ficou a certeza de um excelente dia de aventuras e descobertas naturais e históricas!

As torres do tempo – Sierra de Francia

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