Trilhos do Paleozóico

Regresso ao trail running, em busca de 48 km de trilobites perdidas. No encalço das provas interessantes, depois de calcorrear a Freita, a Estrela e a Lousã, apontei a bússola do trail para Valongo e as suas serras. Esta terá sido a prova para a qual me preparei menos bem. Para além de ter começado tarde, uma entorse a cerca de um mês do desafio alterou os planos de treino, que já tinham sido condicionados pela preguiça. Como regra, nos treinos, tento alcançar metade da distância da prova e terminar minimamente bem. Desta vez, cheguei a menos de um terço e mal. As expetativas estavam assim rasteiras, mas o simples prazer de correr em trilhos técnicos de montanha haveria de compensar tudo o resto.

Manhã cedo, fiz-me ao caminho de Valongo. Por desatenção minha, pensei que a prova começava na bucólica aldeia de Couce. Ao chegar notei que estava a ser montada uma tenda para o controlo e abastecimento, mas faltava tudo o resto. Ainda fiquei tentado a perguntar se poderia começar ali, poupando cerca de 11 km, mas lá segui o meu caminho para Valongo. Depois de levantar o dorsal e receber a camisola, preparei-me para a partida. Como é habitual, apareceu então o frenesim de que se está prestes a entrar numa história de aventuras para mais tarde recordar. Quem também decidiu aparecer foi a chuva, mas felizmente foi breve.

Após a partida, rapidamente a planura da cidade deu lugar a uma encosta de inclinação respeitosa para subir. Foi o primeiro pico do dia e um pequeno relance do que viria a seguir. Continuei por uma parte bastante interessante de single tracks a altitudes mais baixas e junto a ribeiras. Tendo em conta a chuva recente, os próprios caminhos eram autênticas ribeiras. E foi a primeira vez que me surgiu o pensamento: “São 9h de domingo e eu ando aqui a saltar na água e na lama”. A passagem por Couce serviu para reforçar o estômago e apreciar a paisagem. Definitivamente, é um lugar a regressar.

Alguns quilómetros depois, após uma volta pela serra de Pias, quase a meio da prova, apareceu um novo abastecimento. Foi mais ou menos por esta altura que a entorse reapareceu e me lembrei que deveria ter cancelado a inscrição. Passei a andar mais, correr menos, e a estar mais atento aos sinais do corpo. Desconheço o nome popular da subida que se seguiu a este abastecimento, mas deixou-me algumas marcas no corpo. Apareceram então as dores nos joelhos pela falta de preparação, mas lá me fui aguentando.

De um modo geral, o trail permite uma proximidade à montanha e ao seu isolamento. É um momento de esquecer o dia-a-dia e o mundo civilizado, ficando cada um entregue a si próprio numa comunhão que se pretende natural. Infelizmente, nos Trilhos do Paleozóico, a presença do motocross fez com que essa experiência se desvanecesse um pouco. Obviamente, ninguém é dono das serras nem pode proibir outros desportos. Porém, a experiência da corrida acaba por ser prejudicada. Por outro lado, o percurso estava muito bem marcado e os abastecimentos pareceram-me apropriados. Em relação à paisagem, creio que o trilho fica um pouco a perder por se desenrolar maioritariamente em zonas de eucaliptais, mas infelizmente é o nosso fado ambiental.

Quilómetro após quilómetro, as dores e as dificuldades foram aumentando. Subir e descer tornou-se muito difícil. Comecei a considerar a desistência, mas no fundo sabia que se tivesse uma ténue esperança de terminar iria agarrar-me a ela como se nada mais importasse. Decidi então que continuaria até que algum controlo me fizesse parar, por ser inviável terminar no tempo limite. Numa das subidas mais inclinadas valeu-me uma pomada milagrosa de uma colega que aqueceu o corpo e desligou as dores.

Na segunda passagem por Couce o final estava à distância de um elevador. O famoso elevador de Santa Justa. A aldeia e Valongo estavam separados por uma encosta inclinada e a ideia de ficar barrado no controlo esfumou-se num renascer da esperança de terminar. Passo a passo, fui vencendo a subida e pelo meio fiquei a saber que o “prédio” tinha vários andares. Ao alcançar o topo ficou evidente que haveria de terminar. Na descida fui apanhado por mais alguns colegas e juntos vencemos a distância final.

No momento de cruzar a meta todo o sofrimento transformou-se na felicidade de superação de mais um desafio. Para trás tinham ficado 48 km em cerca de 9h30. Este trilho paleozóico não foi a prova mais difícil de trail que já fiz, mas pela falta de preparação acabou por tornar-se num grande desafio. Ficam a aprendizagem e as memórias. Ainda que no momento de escrever este texto ainda sejam dolorosas, daqui a poucos dias serão apenas fantásticas! Muito obrigado à organização e até à próxima trailAventura!

Trilhos do Paleozóico

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