Levantaram-se depois e Luís começou a assobiar para que os cães movimentassem o rebanho. Pediu inclusive a Girolme para assobiar também. Como ele não sabia assobiar com aquela estridência nem tinha forma de esconder a incapacidade, tentou assobiar de forma melodiosa. Luís ficou então desconfiado; pareceu-lhe que se alguém afirmava já ter sido pastor, deveria saber assobiar. Todavia, como não tinha alternativas, Luís dispôs-se a esquecer a falha e tentou ensiná-lo. Puseram-se então frente-a-frente e Luís ia indicando como colocar a língua de forma apropriada. Como a ação não era fácil de imitar, Girolme lembrou-se então de um provérbio que aprendera com Bernardo, sobre a teimosia do doutor António, e considerou que era muito adequado:
– Deixe lá, olhe que burro velho nã aprende línguas.
– E sabe porquê?
– Isso já nã sei – disse Girolme, sorrindo a ansiosidade e arrependendo-se do atrevimento.
– Fique então a saber que não é por ser velho, é por ser burro!
Luís fitou-o de seguida com um ar carregado e sério, procurando fazê-lo perceber que para ali trabalhar teria de se esforçar. Girolme entendeu a referência e tratou logo de se redimir em inúmeras tentativas frustradas. Luís afastou-se depois para ir buscar algumas ovelhas que tinham ficado para trás e Girolme foi divagando pela dúvida se realmente estaria preparado para as exigências. Olhou depois para o mosteiro, elevado na sua graciosidade secular e fixou a torre onde estivera algumas horas antes. Acabou por concluir que a falta de alternativas não lhe permitia qualquer devaneio. Voltou-se e encarou a fachada da capela, ficando preso às palavras que se elevavam acima da porta. Pouco depois, Luís voltou ao adro da capela, guiando o rebanho com os dois cães atrás de si.
– Sabe o que ‘tá ali a dizer? – perguntou Girolme.
Luís aproximou-se e ficou a olhar para as palavras em latim. Esclareceu que já soubera, mas que no momento não se lembrava. Desconfiados, os dois cães aproximaram-se de Girolme e começaram a cheirá-lo, como se soubessem das suas segundas intenções. Teve de ser Luís a mandá-los parar. Girolme estava cheio de medo e reconsiderou a ausência de alternativas.
– Não lhes mostre medo; nem fuja, mas também não se ponha a olhar para eles com vontade de lhes bater, que eles pressentem isso e atiram-se a si. Só querem ver como é que reage. Deixe-se estar; tenha calma. Já me lembrei! As palavras querem dizer: «Deus é grande e eu não vou meter o nariz onde não devo» – acrescentou Luís, de uma forma parca e seca, após um curto silêncio de inquietude.