– Esquecendo a guerra, como era viver na Guiné? – perguntou Girolme, enquanto esperavam pela comida, curioso por comparar experiências.
– Esquecendo a guerra? – perguntou Alberto, parecendo indignado – Para mim não havia outra coisa para além da guerra! Tudo o resto era um vazio. Cheguei ao ponto em que acordava todos os dias com a ideia de ir matar; tornou-se num vício. Tal como isto – disse, acendendo um cigarro. – Malditos! Mas eu não era assim; todos os domingos ia à missa e ajudava o meu pai, que era sacristão. De um momento para o outro meteram-me uma metralhadora nas mãos e mandaram-me matar.
A descrição arrebitou a consciência de Girolme, que se lembrou do pai. Ficou depois aliviado por ter escapado àquela tramoia terrível que atirava os rapazes para uma maturidade de sofrimento.
– Mas você era obrigado a matar? – perguntou Girolme, curioso.
– Nós éramos carne p’ra canhão. Alguém sentado numa secretária mandava combater e nós lá íamos; primeiro tremíamos de medo e depois de frenesim. Ou combatia ou desertava, não era tão fácil como você pensa.
– Só nã percebo uma coisa: primeiro você disse que tinha medo de ir p’ró meio do mato e depois já nã ficava contente se nã fosse. Habituou-se? – perguntou Girolme.
– Habituaram-me! Davam-nos a volta, com palavras e outras… coisas. Nós engolíamos tudo.
Depois de o empregado ter trazido o almoço, Alberto e Girolme passaram o tempo num silêncio de lembranças. No final, Alberto levantou-se e foi à casa de banho, enquanto Girolme esperou por ele na mesa. Levantou-se depois um burburinho e ouviu-se um barulho de um grito que culminou num impacte doloroso. Enquanto almoçavam, um homem que estava ao balcão, numa fatiota elegante, olhou demoradamente e com segundas intenções e sorrisos promíscuos para Alberto. Ele, que no princípio sentiu-se incomodado, passou para um estado de ferocidade comedida que decidiu libertar apenas no fim do almoço. Ao ir à casa de banho, passou por ele e também sorriu. O homem, enganado pelo falso interesse, seguiu-o. Descobriria depois apenas a raiva que o antigo combatente sentia contra os homossexuais.
