Girolme arremeteu pela estrada sem olhar para trás, lamentando apenas a terrível perda. À sua volta erguiam-se alguns olhares suspeitosos. Enquanto caminhava, Girolme pôs-se a pensar que a sua vida transformara-se numa roda-viva de arrelias; num curto espaço de tempo, por duas vezes, estivera em situações bastante ameaçadoras. De repente, o seu mundo apressara-se numa espiral de violência. E tudo acontecera depois daquela revolução que o povo abraçara com se fosse um filho emigrado que não via há muito tempo. No vale grassava uma brisa abafada e parca de esperanças, enquanto outros enchiam-se de expetativas.
Girolme continuou a andar até que encontrou uma taberna encafuada no rés-do-chão de um prédio antigo, entre uma mercearia e um salão de cabeleireiro. O seu estômago começou então a produzir barulhos de fome. Pegou na carteira e de lá tirou algumas moedas, perante a desconfiança de algumas pessoas que passavam. Os prédios em volta tinham crescido sem elegância e elevavam-se em fealdade. Girolme entrou depois na taberna, dirigiu-se ao homem que estava por detrás do balcão e pediu, de forma muito respeitosa, se lhe podiam fazer uma sandes. O homem, de barba séria e olhar ressabiado, mirou-lhe as moedas que tinha nas mãos e respondeu de forma assertiva. Do fundo, num canto escuro, ouviu-se um comentário, aparentemente feminino, que assegurava que as pessoas chegavam ali cada vez mais velhos e em pior estado. Se não fosse pela fome, Girolme nunca lá teria entrado. Tampouco arriscou mostrar as poucas notas que trazia dentro das cuecas, conforme lhe ensinara o seu amigo Bilinho.
Apesar de todas as dúvidas que o receio suscitava, acabou por comer uma sandes de queijo, de acordo com a sua preferência, e ao fim de meia hora saiu da taberna sem que fosse ameaçado. Continuou depois pela rua que o afastava do homem de negro até que encontrou uma escadaria que descia para o vale. Ignorou as indecisões e desceu a encosta, seduzido por um canto inaudível com promessas de bons momentos. Ao cabo da descida, e de um modo envergonhado, desviou o olhar das pessoas e seguiu para a sombra de uma árvore. Por largos instantes indagou se deveria pagar alguma mensalidade pela estadia, tal como acontecia no apartamento.