Naquele dia, Carlos revelou ainda os resultados das suas investigações. Descobriu que, de facto, a família do circo Caricatus tinha chegado a Lisboa. Habitaram durante algum tempo num apartamento da Baixa, mas saíram depois para Santarém, logo após o casamento da filha com um produtor de milho da cidade escalabitana, de seu nome Fontainhas. Girolme engoliu uma lufada de infelicidade e agradeceu o esclarecimento. O mundo não esperara por ele e nem todas as noites de vigília dedicada lhe poderiam servir para reverter o tempo. Perguntou-lhe depois pelo amigo, mas Carlos disse que não encontrara qualquer informação sobre Bilinho. À saída, assegurou-lhe que continuaria à procura dele, ainda que com uma prioridade desfasada da vontade de Girolme.
Quando o outono chegou, Girolme ainda estava em fase de ambientação à sua nova vida e já quase deixara escapar a esperança de reencontrar Bilinho. Entretanto, quando a confiança e o conhecimento o permitiram, tirou um dia de domingo para ir até Cacilhas, passando pelo Cais do Sodré, à procura do amigo. Regressou, perseguido pela culpa, subindo as calçadas solitárias, com a certeza que jamais o voltaria a ver.
Certo dia, enquanto lavava umas calças que lhe tinham oferecido, Girolme viu chegar ao parque um homem de capote comprido e chapéu de abas largas. O homem sentou-se num banco e dividiu os braços em lançamentos, fazendo com que, em poucos instantes, um bando de pombos se lhe juntasse. Girolme ficou igualmente agradado e sensibilizado com a preocupação para com os animais. No dia seguinte, o homem voltou a aparecer à mesma hora e com ele vieram também os pombos. Ao terceiro dia, Girolme decidiu ir passear para o parque por curiosidade. Não estava a pensar meter conversa, mas gostaria de apreciar de perto aquela estranha relação de interesses. O homem, tal como nos dias anteriores, foi sentar-se no mesmo banco e começou a atirar algumas migalhas para o chão. Girolme expiava-o de perto.
– Já ninguém se preocupa com os pombos – suspirou o homem, voltando-se para Girolme.
– Pois – respondeu Girolme, sorrindo.
– Como é que o senhor se chama?
– Eu sou o pastor Miguel Girolme, mas pode tratar-me por Girolme.
– O meu nome é Bernardo e sou de Trancoso – adiantou o homem, levantando-se, tirando o chapéu e estendendo-lhe um aperto de mão que Girolme aceitou de imediato.