Sombras de Silêncio #279

Após perscrutar no casebre pelo outro cliente, o marido da prostituta voltou para terminar o ensaio de pancadaria. Todavia, Bilinho, ao ver-se livre, levantou-se de pronto e correu sem olhar para trás, descendo a encosta em direção a Cacilhas. Entretanto, a mulher acordou e foi gritando o desespero que sentia por não conseguir respirar. O marido, entre a fuga de Bilinho e a angústia da mulher, optou por carregá-la para Almada a fim de a levar a um médico. Entrou num consultório cerca de uma hora depois do incidente e foi por pouco que ela se conseguiu agarrar a uma réstia de vida.

Ao fim de algum tempo de desorientação, Girolme voltou para trás e passou pelo casebre. O silêncio sepulcral anunciava que as altercações tinham terminado. Não havia alguém à vista. Começou então a clamar, de forma envergonhada e medrosa, pelo amigo. Porém, não obteve resposta. Foi depois até ao sítio onde vira o homem engalfinhado com Bilinho, mas apenas notou a ausência do amigo. Ficou por largos instantes sem saber o que fazer, hesitando entre gritar ou permanecer em silêncio. Pelo que sabia, o homem poderia andar à sua cata. Lembrou-se depois do destino previamente definido e decidiu abandonar as incertezas. Ainda que nem sempre Bilinho o levasse por bons caminhos, aprendera a dividir o quotidiano com ele e o facto de o não ter por perto esvaziava-lhe o sentido da vida e confundia-lhe a direção.

Girolme desceu pelo caminho para Cacilhas. De aspeto desconcertante e mal-amanhado, as pessoas olhavam-no com desconfiança. Houve até quem chamasse os filhos para brincarem dentro da casa. À medida que se aproximava do rio, havia cada vez mais pessoas e o burburinho começou a assustá-lo. Já se libertara do medo de ser preso pela Guarda, mas tinha dificuldades em habituar-se às multidões. No momento em que estava a chegar ao cais, ouviu-se um apito de um cacilheiro que arrancava para a outra margem. Aflito, Miguel procurou por um rosto amigo entre as muitas pessoas que lá iam embarcadas, mas apenas encontrou rostos fechados pela rotina dos dias.

Sombras de Silêncio #279

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