Sombras de Silêncio #271

Para Girolme, o discurso catastrófico de Bilinho acabou por ter um efeito estranhamente verosímil, tal foi o dramatismo empregue. A referência religiosa também foi muito apreciada; se ele contava com o cuidado de Nossa Senhora de Fátima, o companheiro contava com o apoio de uma outra santa, que inclusive parecia estar muito bem referenciada. É sabido que em questões de santas, quantas mais melhor.

A sortida que estavam prestes a encetar em direção a Lisboa ficou famosa por todo o Alentejo e chegou mesmo a fazer muito sucesso entre os vários contadores de histórias a norte do Tejo.

Na noite amena, partiram carregados de sombreiros, duas broas e com pouco mais do que as roupas que tinham no corpo, sem qualquer sentido de orientação. Cada sombreiro tinha a sua valência, desde o mais pequeno para os aguaceiros erráticos até ao maior, ao qual Bilinho tinha arrancado o pano envolvente, e que servia para afastar trovoadas. Seguiram pela estrada de ligação à vila dos Gamas, mas quando os primeiros raios de luz ofuscaram o brilho da lua ainda estavam longe de lá chegar. Debaixo de olhares desconfiados, prosseguiram num rumo desconhecido.

Estiveram cerca de uma semana na Vidigueira. Porém, logo correu a notícia que havia alguém de Moura a fazer perguntas sobre o paradeiro de dois coveiros. Retomaram então a viagem e seguiram na direção a Portel, onde estiveram apenas um dia; depois de um desaguisado numa taberna local acabaram por tomar refúgio nas serranias. Foram encontrados por um apicultor numa laranjeira a vitimar a fome. Todavia, ao invés de os escorraçar, acabou por contratá-los como seus ajudantes na recolha do mel. A troco de algumas refeições de pão com mel, os dois prontificaram-se a ajudar, mas não esperavam que o trabalho lhes valesse tantas picadas e dores lancinantes. Logo no final do primeiro dia de trabalho retornaram a viagem, seguindo as indicações do apicultor.

Chegaram depois a uma circunstância tal que, qualquer que fosse a estrada onde estivessem, quando perguntavam aonde iria dar, a resposta era sempre «Évora». Decidiram então experimentar a sua sorte na cidade branca. Lá chegados, consideraram que aquele sítio oferecia um manancial de oportunidades e decidiram pôr termo, de forma passageira, à vida errante.

Sombras de Silêncio #271

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