O trabalho terminou numa quarta-feira. Nesse mesmo dia, Pablo acertou o pagamento do dinheiro devido a Gabriel e a Carlos, garantindo a ambos um novo acordo para o ano seguinte. Quanto a Miguel, Pablo tinha outros planos. Apesar de a quantidade de trabalho variar bastante ao longo do ano, Miguel provara que poderia ser uma ajuda importante, sobretudo pela ninharia com que Pablo pensava sustentá-lo. Acertou então com ele a permanência, assegurando-lhe que iria arranjar o moinho para que ele pudesse dormir com mais comodidade. Para finalizar, deu-lhe duas calças, duas camisas, uma camisola, vários pares de meias e um casaco.
Desde que fugira de Peniche, era a segunda vez que Miguel ficava órfão de uma pessoa que muito o ajudara. Aníbal ficara preso em Elvas e Gabriel preparava-se para partir de regresso a casa. Na última noite, e numa altura em que Carlos já tinha abalado, Miguel ainda considerou a hipótese de pedir a Gabriel que o levasse de volta a Portugal. Todavia, a perspetiva de ser preso fê-lo desistir, sobretudo após Gabriel lhe garantir de que seria pior ser apanhado em Portugal por parecer comunista do que em Espanha por ser clandestino. Aconselhou-o depois a aguardar mais algum tempo por ali e depois então poderia alargar os horizontes e procurar melhores condições. Apesar de Pablo estar «longe de ser o patrão ideal, havia piores». Não obstante, insistiu para que Miguel não se coibisse de exigir que Pablo lhe pagasse, pelo menos, cinco pesetas por cada dia de trabalho. Miguel ia escutando os conselhos com a atenção, enrodilhado no colchão onde outrora dormia Carlos.
Gabriel abalou antes de amanhecer. Logo que Miguel acordou, saiu do moinho à sua procura, mas apenas notou uma aragem vazia e desgarrada. A partir daquele momento contava somente consigo para enfrentar todos os obstáculos à sua integração. Perdeu pouco tempo em lamúrias e decidiu encarar a situação como uma oportunidade. Apesar de tudo, a possibilidade de permanecer naquela quinta afigurava-se como uma das melhores coisas que lhe tinham acontecido no último quarto de século. Miguel desceu depois o monte e foi ter com Pablo, que já andava no barracão a preparar o trator para irem limpar as terras. Após a apanha da azeitona ficavam muitos ramos espalhados e era necessário recolhê-los.