Sombras de Silêncio #235

Depois da sesta, enquanto Isabel e Anita ficaram a arrumar a casa, todas as outras pessoas seguiram para a vareja. Entretanto, as nuvens negras foram-se juntando, o ambiente escureceu e surgiram os primeiros trovões. A chuva começou miudinha, mas depressa engrossou, hipotecando irremediavelmente o trabalho. Os toldos ficaram encharcados, o que atrasava também o serviço para o dia seguinte. Correram todos atrás do trator e foram para o barracão separar as azeitonas das folhas. Ana Maria e Miguel ficaram encarregues de vasculhar a rama, enquanto os outros homens iam despejando os potes de azeitonas pelo erguedor, uma rampa composta por várias varetas finas de ferro. As azeitonas rolavam para um pote que estava ao fundo da rampa e as folhas caíam para o chão. Pablo estava muito insatisfeito com a súbita chuvada e praguejada amiúde, de tal modo que até Miguel percebeu algumas das infâmias. Estava tão furioso que prometeu resolver o problema da imprevisibilidade do tempo logo pela manhã do dia seguinte.

Depois do trabalho regressaram a casa para jantar. Continuava a chover e a trovejar. Miguel aproximou-se da janela da sala e perscrutou o destino, pensando que os céus pareciam insatisfeitos pela sua chegada. Pablo acercou-se dele e tentou explicar-lhe que se contasse os segundos que passavam desde que via o clarão até ouvir o estrondo, bastava-lhe então multiplicar esse valor por três para saber a quantos quilómetros o raio tinha caído. Mas Miguel não percebeu. Gabriel juntou-se para ajudar na tradução. Miguel continuava sem perceber, mas sorria as suas dúvidas. Pablo decidiu então testar-lhe a astúcia e propôs-lhe que dissesse a quantos metros estava a trovoada. O céu iluminou-se, o estrondo escutou-se e Miguel abanou a cabeça, sorrindo. Acabou por confessar que conhecia as letras, mas não as conseguia juntar; em relação aos números, sabia apenas contar pelos dedos.

Após da sopa de beterrabas, e enquanto as mulheres arrumavam a casa, os homens deixaram-se ficar à espera que a chuva aliviasse a sua cadência, conversando sobre o trabalho e a chegada de Miguel. Como era habitual, ao fim de cada dia, Pablo aproveitava para fumar o seu cigarro antes de ir para a cama. Decidiu então oferecer um a Miguel num gesto de boa vontade.

Sombras de Silêncio #235

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