Sombras de Silêncio #89

Ao longo da manhã o tempo foi piorando e por volta do meio-dia começou a trovejar. Miguel ficou ainda mais aterrorizado. Depois, aceitando a ineficácia da procura, deixou-se ficar encostado ao tronco de uma azinheira. Considerou depois que lá em cima teria uma melhor visão sobre o seu destino e decidiu subir à azinheira, ignorando o perigo. Subiu até onde o medo o deixou e olhou demoradamente em redor, mas não viu vivalma. Porém, decidiu ali permanecer até encontrar alguém. Pouco tempo depois, sem que Miguel se apercebesse, uma mulher aproximou-se da azinheira. Tinha o cabelo negro e encaracolado, combinado com uma camisa cinza e uma saia bege. Trazia nos braços uma pequena ovelha, envolta num lenço branco.

– Ó rapaz, desce daí que ainda te vai cair um raio em cima! – recomendou-lhe a mulher, de supetão.

Miguel assustou-se. Ao voltar-se, escorregou, deslizou os braços pela ramagem áspera e caiu aparatosamente no chão. Desesperado, começou a clamar e a chorar. A mulher, preocupada, acudiu de imediato, rogando-lhe que indicasse onde lhe doía. Miguel ergueu a custo o braço direito e fechou os olhos em dor.

– Eu vou tratar de ti, mas tens que ser forte. O que é que gostas mais de fazer? – perguntou a mulher, depois de lhe apalpar o braço.

– De jogar ao pião – respondeu ele, entre os clamores.

– Vais então fazer o que eu te digo. Olha para o céu e naquelas nuvens vais procurar onde está o pião.

Miguel, que tinha o pião no bolso, julgou que a mulher estava a brincar com ele. Ainda assim, decidiu fazer o que ela lhe mandara. Percebeu então que ela poderia ter razão; depois de alguns instantes a enganar a dor, vislumbrou uma nuvem que lhe pareceu um pião.

– Ai! – gritou, desesperado, logo de seguida.

A mulher esticara-lhe o braço e colocara os ossos no devido lugar. Miguel, que ficara zangado com o oportunismo enganador da mulher, rapidamente percebeu que afinal a dor diminuíra de intensidade e já podia mexer o braço. Agradeceu então por diversas vezes a ajuda e a aprendizagem de um novo jogo, que lhe parecia muito útil para quando não tivesse consigo o pião. Reparou depois que a sua boina ficara presa num galho da árvore e já se preparava para lá subir novamente quando a mulher o interpelou:

– Ou não tens medo ou não tens juízo! Deixa estar que eu vou buscá-lo.

Miguel ficou confuso com o comentário da mulher. Para não defraudar as expetativas, optou por não negar a sua valentia.

– Olha pela minha ovelhinha e não a deixes fugir. Está bem?

Sombras de Silêncio #89

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