Sombras de Silêncio #90

Miguel segurou o animal e acariciou-lhe o focinho. Entretanto, a mulher cobriu a cabeça com o lenço branco e subiu à azinheira para apanhar a boina. Nesse instante viu ao longe um clarão; o estrondo surgiu logo depois com um barulho medonho. Com a certeza de que o raio caíra perto, quis apressar a descida, mas ficou suspensa ao ver três crianças, com trajes de pastores que a miravam a cerca de cem metros.

– Meninos, não se quedem por aí especados. Vão para casa e levem o rebanho convosco; hoje não é dia para pastoreios – aconselhou a mulher.

– O quê? – perguntou o rapaz, ladeado pelas meninas, perfeitamente maravilhados com a visão estranha de uma senhora, resplandecendo com o brilho níveo das suas roupas, suspensa sobre uma azinheira, enquanto o céu bravio soltava raios e coriscos.

– Vão embora… e rezem – respondeu ela, retomando a descida.

Já no chão, a mulher entregou a boina a Miguel, tomou para si a ovelha e julgou que o melhor seria procurar um descampado, não fosse o diabo pregar-lhes alguma partida. Disse-lhe para a acompanhar e seguiram de imediato. Os três pastorinhos ainda foram à procura de saberem mais sobre o que tinham presenciado, mas já não encontraram a mulher. Regressaram depois a casa, indagando sobre a natureza da estranha aparição.

No caminho, a senhora ficou a conhecer as peripécias do rapaz e muito se preocupou com os seus infortúnios, prometendo-lhe que não o deixaria sozinho enquanto não encontrassem o pai. Andaram cerca de meia hora até ouvirem os berros que preenchiam a paisagem na procura de Miguel. Depois de duas quedas dolorosas, finalmente o rapaz reencontrou a esperança.

– Pai! Estou aqui!

Carlos, ao escutar o grito do filho, subiu a um morro, avistou-o e correu ao seu encontro. Abraçou-o depois como se tivesse ganho a guerra da sua vida. Após se certificar de que tudo estava bem com Miguel, Carlos desfez-se em agradecimentos à mulher, prometendo-lhe o céu. Perguntou-lhe também qual o nome que deveria referenciar nas suas preces.

– Maria. Apenas Maria.

Carlos voltou a agradecer e despediu-se. O cabo regressou depois ao posto de Ourém, enquanto Carlos e Miguel continuaram para sul. Pernoitaram em Torres Novas e chegando a Tancos na manhã do dia seguinte, onde Joana os esperava com preocupações e saudades. Como combinado previamente, alguns pormenores da viagem caíram no esquecimento, enquanto outros foram floreados para evitar inquietações maternas.

Sombras de Silêncio #90

Comentários