A aula continuou e o professor mandou arredar as crianças próximas de Miguel, que se deixou ficar como uma estátua, esperando a chegada de alguém que o salvasse daquele homem. Um pouco antes das seis horas da tarde, Carlos chegou ao quartel e foi apressado para sala onde deixara o filho pela manhã, curioso por saber como é que ele se tinha portado, esperançoso que o petiz tivesse impressionado o professor. Trabalhara todo o dia fora, junto a Vila Nova da Barquinha, retirando algumas pedras que tinham caído para a linha.
– Meu alferes, o que achou do rapaz? – perguntou o sargento, fazendo continência.
O professor desviou o olhar d’O Século, que dava conta das últimas movimentações belicosas na Europa, abriu as mãos e simulou um sorriso jocoso. Ao vislumbrar o pai, Miguel levantou-se e correu para ele, agarrando-se às suas pernas em desespero.
– Então filho, isso é que são saudades! – disse Carlos.
– Ele é certamente… especial, mas veja por si mesmo. Para além de não fazer o que lhe mandei, ainda teve o descaramento de mijar as calças – informou o professor Figueiredo.
– É assim que te portas? – perguntou o pai, afastando-o um pouco e constatando a evidência.
Miguel não ousou defender-se, chorando agarrado ao pai.
– Oh, meu alferes, deixe-me que lhe peça desculpa. Não sei o que lhe deu. Ele nunca fez disto. Deixe estar que em casa eu falo com ele.
– Faça isso, pois eu não posso ensinar quem não tem vontade de aprender e apenas estorva – adiantou o professor, arrebanhando a boina e saindo de seguida da sala.
Carlos aproveitou a proximidade do filho e mandou-lhe uma chapada na cara que o fez rodopiar até embater no chão.
– És uma vergonha! – exclamou o sargento.
Miguel manteve a choradeira, ansiando o carinho e a compreensão da mãe. Estava inconformado com a perda da pacatez da sua vida. Perante a ameaça de mais pancada, levantou-se e baixou o olhar em soluços desesperados, limpando as lágrimas que lhe corriam pelo rosto. Os dois seguiram para casa num sobressalto díspar. Miguel apenas encontrou algum conforto na mãe quando o pai foi para a cama. Depois, esforçou-se, em vão, para que a mãe o retirasse da instrução.
– De cada vez que o senhor professor falar contigo, deves acenar com a cabeça e sorrir um pouco; mas não muito, que ainda pode julgar que és meio tolo – aconselhou Joana, antes de lhe adormecer os soluços.