No dia seguinte houve instrução. À entrada da sala, Carlos avisou o filho que se voltasse a comportar-se da mesma maneira haveria de ter um castigo duro. Com um novo esforço do professor, Miguel compreendeu o propósito o exercício das letras e empenhou-se na tarefa. Demorou toda a manhã para rabiscar o abecedário. Porém, o professor, que não quis interferir ao notar a lentidão do serviço, não se conteve ao ver as travessuras que a criança fizera a algumas letras.
– Desde quando é que um B é um 8? – perguntou o professor, endereçando uma varada de raspão nas orelhas do aluno.
Miguel viu-se de novo vítima de pancada, sem que achasse razão para tal. Não percebia o que ele dizia ou pretendia. Chegou mesmo a pensar que mais depressa compreenderia o miar de um gato do que um assumo nervoso do professor. Ainda, logo depois viu duplicar os seus problemas, quando descobriu que as letras tinham filhas.
– Estas são as minúsculas. Escreve-as na lousa, mas por cada uma que ficar mal levarás uma varada nas mãos. Entendeste? – ameaçou o professor.
Como a mãe lhe ensinara, Miguel acenou com a cabeça e sorriu. O professor estranhou a reação e julgou que talvez a criança sofresse de algum problema mental. Ao contrário do dia anterior, Miguel foi almoçar à cantina. Esteve depois toda a tarde nos seus desenhos, sendo premiado no final com meia dúzia de varadas nas mãos. Com a vontade destroçada ainda arranjou coragem para esboçar um sorriso à chegada do pai.
Durante a semana, Miguel foi repetindo as varadas até que o professor Figueiredo decidiu que seria mais proveitoso para o rapaz adiar a instrução. Recomendou que Miguel treinasse a escrita em casa durante mais um ano, sendo que depois então iniciaria os estudos melhor preparado e com mais estímulo para aprender. Joana ficou agradada pela decisão, pois ficava despedaçada ao notar o sofrimento do filho. Carlos considerou que o alferes estava apenas a atrasar a vida ao rapaz e, às escondidas, passou a chamar Borra-Botas ao professor. Na quietude da mãe, Miguel aprendeu a desenhar as letras, ajudado pela vontade do pai em demonstrar ao professor que os Fernandes eram mais inteligentes do que o destino rabiscara.