A chuva de perguntas não agradou a Carlos, que respondeu de forma pronta e ríspida:
– Aquilo que eu faço ou deixo de fazer só a mim me diz respeito. Porventura esqueceste o teu lugar, mulher? Não queiras sentir o peso da minha mão. Vai lá tratar das tuas coisas e dá-me de comer. Já me chegam os problemas. E logo hoje, que já arranjei quem nos vai deitar a mão.
Joana recuou, arrependendo-se das palavras proferidas.
– Desculpa-me, não sei como o disse! Mas compreende… estou com medo. Não sei o que digo. E que ajuda é essa?
– O… um amigo ficou de tratar das coisas – respondeu Carlos.
– Eu bem sei que não me devo meter, mas tem cuidado. Muitas vezes os amigos são lobos com pele de cordeiros.
– Agora é que disseste tudo! Não te metas. Vai lá tratar das batatas e deixa estas coisas para os homens – quis concluir Carlos, afastando-a de mais perguntas indiscretas.
Joana voltou-se e seguiu para a cozinha, pesando a vontade de falar com o medo de uma possível retaliação.
– Talvez seja a hora de sairmos de Lisboa e irmos para a província, para um sítio calmo, onde o Miguel pudesse crescer sem nós estarmos a olhar para trás dos ombros.
Contrariamente ao que Joana pensara, Carlos não respondeu. Seguiu para o quarto onde o filho dormia, tentando alhear-se de todos os dilemas que rodeavam a família. Ficou ao seu lado durante algum tempo, remoendo as palavras da esposa e equacionando os prós e os contras de uma mudança. Habituara-se à cidade e gostava da sua agitação. Entretanto, a estadia tornara-se perigosa e ameaçava descambar para um rebuliço de problemas. Ainda que o lamentasse, abandonar a cidade poderia ser a melhor opção. Cedendo ou não o relógio, conhecendo ou não o segredo, qualquer que fosse o seu significado, corria sempre o risco de se transformar em comida para peixe. De súbito, soube o que teria de fazer. Resgatou o relógio de bolso, abriu a duas tampas e retirou o papel enigmático. Durante algum tempo repetiu o texto até o ter decorado. Rasgou então o papel em duas metades, guardou a primeira parte no relógio e queimou a outra. Supôs que assim poderia negociar a segurança da família em troca da informação.