Carlos susteve as palavras e deixou no ar a suspeita, na esperança que o amigo a aceitasse. Não estava à espera que Afonso admitisse uma falsa culpa, mas bastar-lhe-ia incutir alguma dúvida.
– O que aconteceu à casa?
Carlos esclareceu então o amigo, salientando que o seu presente tinha sido arrasado e o futuro comprometido. Sensibilizado pelo relato, Afonso foi considerando com mais firmeza a hipótese de o amigo ser inocente e de ambos serem meros peões num jogo de intenções desconhecidas. Acabou por acreditar que alguém se teria aproveitado da visita de Carlos à biblioteca para sub-repticiamente roubar o relógio. Comprometeu-se então a ajudá-lo com algum dinheiro e assegurou que iria defendê-lo.
Quando chegou a casa, já no final do dia, Carlos reencontrou a desgraça. Logo que abriu a porta, Joana agarrou-se a ele como se já não subsistisse esperança no mundo. Às perguntas de Carlos, Joana remeteu-se ao silêncio, tremendo como uma andorinha perdida num inverno esquecido. Carlos afastou-a ligeiramente e focou o medo azul dos seus olhos.
– O que foi que aconteceu, meu amor? – insistiu Carlos, afagando-lhe uma lágrima.
– Eles… voltaram.
– Malditos! Abusaram de ti? – perguntou o sargento, assustado.
A resposta ficou enrolada na língua de Joana demasiado tempo, enquanto Carlos vaticinava o inferno aos prevaricadores, temendo pela honradez.
– Não chegaram a entrar… apenas rondaram – confirmou Joana, entre soluços.
Carlos respirou fundo e benzeu-se, erguendo o olhar. Joana deambulou depois pelo corredor com o olhar perdido.
– Mas então como foi? – retorquiu o sargento, indo ao seu encontro.
– Eram dois, bem vestidos… vi-os primeiro da janela do nosso quarto. Estavam lá fora especados. Levei o Miguel para a cozinha e ficámos lá até que… passado algum tempo, alguém… bateu à porta. Mas não abri! Eu estava cheia de medo!
Joana abraçou-o então em desespero, na ânsia de recuperar a segurança perdida, entre as sombras de uma ameaça espectral.
– E depois? – replicou Carlos.
– Eu deixei-me ficar na cozinha. O Miguel…
– Onde está o meu filho? – interrompeu Carlos, sobressaltado.
– Ele está bem, graças a Deus! Está a dormir no quarto. Coitadinho, estava muito assustado e adormeceu a soluçar e a chorar. Lá ficámos, enquanto continuavam a bater, até que alguém disse: «Se houver alguma coisa aqui escondida, continuaremos a vir» e foram depois embora. O que é que está aqui escondido? Tu andas com esse Afonso e vais não sei para onde, fazer não sei o quê. Nunca me dizes nada! O que nos vai a acontecer?