No dia seguinte, a caminho de Campolide, Carlos vagueou por trilhos de incerteza. Chegado ao quartel, foi diretamente ao comandante e inquiriu-o sobre a possibilidade de ser transferido para o quartel de Tancos, justificando-se com a proximidade da família. O comandante mandou-o oficializar o pedido e ficou de analisar a situação. Carlos tinha a esperança que a distância e sobretudo a possibilidade de a família passar a habitar nas instalações do quartel lhe conferissem alguma segurança.
À saída do gabinete, Carlos cruzou-se com Afonso Pala, que lhe adiantou que tinha conversado com algumas pessoas no sentido de perceber o que estava a acontecer. Foram para o gabinete do capitão e Carlos comentou que iria pedir transferência para Tancos. Afonso Pala, após um breve interregno, disse:
– Se achas que é o melhor para ti então desejo-te sorte. Para além disso, farei uma carta de recomendação. Só lamento que… enfim, agora não adianta nada. Mas olha… juro-te, pela minha saúde, que eu não sei o que se passou. Nem os nossos amigos sabem. Talvez eu… também deva afastar-me.
As palavras do capitão sensibilizaram Carlos, que ficou reconfortado pela sinceridade do amigo. Lamentou bastante não lhe poder contar a verdade e penitenciou-se pela decisão de ter ficado com o relógio, sobretudo pelas consequências provocadas. Contudo, não poderia alterar o passado e previu que quanto mais remexesse no problema pior ficaria. Afonso também pareceu ter ficado agradado com a possibilidade de Carlos desaparecer por uns tempos. Quando o sargento chegou a casa e contou à mulher que pedira transferência para Tancos, Joana teve dificuldade em acreditar. Ficou radiante pela decisão e por considerar que a sua opinião seria relevante para o marido.
Não houve mais sustos nem ameaças para a família Fernandes enquanto esperavam a decisão do quartel de Campolide, que chegou nos princípios de agosto. O pedido foi aceite. Desde então, Carlos e Afonso não voltaram a conversar sobre o assunto. O sargento divagava desconfiado pela vida, tanto em casa como no quartel, como se fosse um príncipe monárquico encoberto pelo nevoeiro após uma revolução republicana.