Nas proximidades da Rotunda os revoltosos estavam por um fio. Em Alcântara, a ameaça dos bombardeamentos enfraquecia a fileiras dos defensores da monarquia. Espalhou-se então a ideia que seria despropositado enfrentar o desembarque dos marinheiros. Quando a vitória se preparava para sorrir a Paiva Couceiro, ele foi de novo travado na sua ação, desta vez com a envolvência de um diplomata alemão que conseguiu convencer o general Gorjão Henriques a conceder uma hora de cessar-fogo para que os estrangeiros pudessem sair do país em segurança.
Carlos passou a noite em casa, sem conseguir dormir e mais impaciente do que um peru em vésperas de Natal. Sentado numa velha cadeira do quarto, alternava o olhar entre a mulher e o filho, que dormitavam a espaços sobressaltados ao seu lado. Tentava alhear-se do que se passava do outro lado da janela.
Quando os primeiros raios de sol chegaram, Joana envolvia o filho nos braços e ambos dormiam graças a um súbito sossego que tomara conta do exterior. Atemorizada por um pesadelo em que o marido perdia a vida em combate, Joana rodou inadvertidamente sobre o frágil braço esquerdo do filho. Miguel acordou de imediato e desatou a chorar, desesperado pelas dores. O pai acorreu de imediato, enquanto a mãe tentava perceber o que acontecera. Às perguntas dos pais, Miguel ia respondendo com um choro cada vez mais estridente. Colocaram-no depois de pé e notaram que o braço esquerdo pendia sem reação alguma. Não poderiam ficar à espera e concordaram que imprescindível recorrer a alguém que os ajudasse. Ainda vestido com as roupinhas com que tinha dormido, Miguel foi enrolado numa manta branca e levado pelo pai. Carlos correu em direção à casa de um velho “endireita”, que vivia perto do quartel em Campolide. Joana ficou em casa, martirizada pelo que acontecera.
Miguel chorava, o tempo urgia e Carlos sabia que precisava de passar pelos arredores da Rotunda, onde os seus companheiros ainda estavam entrincheirados. Adiantou a alma a Deus e subiu apressado a avenida. Cruzou-se então com algumas pessoas que iam repetindo a novidade de que as forças monárquicas tinham travado o seu progresso sobre a Rotunda e ofereciam um cessar-fogo para a retirada dos estrangeiros. Todos sabiam que, no fim da trégua, Paiva Couceiro haveria de cair sobre eles com uma chuvada de pingos sangrentos.