Sombras de Silêncio #59

Enquanto na Rotunda os revoltosos mantinham uma situação precária, os marinheiros em Alcântara, graças ao número elevado de aderentes, tinham uma posição beneficiada e mais resguardada dos ataques inimigos. Dadas as dificuldades noticiadas pelos camaradas, os marinheiros decidiram fazer valer a sua vantagem estratégica e atacaram a tiro de canhão o Paço das Necessidades. El-rei tomou refúgio numa casa anexa, de onde telefonou ao chefe de governo, aproveitando o descuido dos revoltosos que se esqueceram de cortar aquela linha. Decidiu-se então que o monarca deveria partir para Mafra, ainda que contra a sua vontade. Para além de salvaguardar a sua vida, libertaria muitas unidades que ali estavam estacionadas na sua defesa. Por volta das duas da tarde, el-rei D. Manuel II despediu-se do Paço na esperança de algum dia ali regressar. Os estrondos ecoavam pela cidade, oferecendo uma sonoridade fúnebre à partida do poder que tinha criado e conduzido o país durante séculos.

Dos confrontos sobrelevou-se uma poeira de sangue e intenções que se espalhou pelas ruas belicosas de Lisboa. Entre tiros e bombas, houve inúmeras alternâncias entre os dois lados da barricada, consoante a perceção de vitória evoluía. Apareceram também muitos oportunistas, cujas intenções foram diluídas pelo contexto. Alguns dos homens que foram libertados da proteção do monarca, cujas ordens eram impedir um ajuntamento de artilharia em Alcântara, acabaram por aderir aos revoltosos. O povo lisboeta, que fazia figas à descarada pela vitória dos revolucionários, esperava ansioso pelo desfecho dos confrontos. No resto do país prosseguia a vindima.

Em Mafra, como a proteção ao serviço da família real foi considerada insuficiente, iniciaram-se as diligências para os levar para o Porto, onde se reorganizariam as forças monárquicas no caso de os revoltosos alcançarem a vitória. A noite mergulhou Lisboa num mar de tumultos e incertezas. O grosso das forças monárquicas estava no Rossio, procurando evitar o desembarque dos marinheiros. Porém, estavam expostos ao bombardeamento dos navios no Tejo. Por volta das três da manhã, Paiva Couceiro decidiu mover a bateria móvel e colocou-a no Jardim de Castro Guimarães, de onde esperaria a passagem dos revoltosos oriundos da Rotunda. Alguns dissidentes, na ambição de atacarem o Rossio, acabaram por cair na armadilha e foram chacinados.

Sombras de Silêncio #59

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