Sombras de Silêncio #54

– Da votação resulta que o ímpio será aceite na nossa sociedade e a partir deste momento passará a ser um irmão aprendiz. Que se faça luz, abra os olhos, reconheça os seus irmãos e seja reconhecido como tal – sentenciou o Venerável Mestre.

O guia aproximou-se então do iniciante e retirou-lhe a venda. Carlos pôde então contemplar a beleza do ambiente que o envolvia, arrastando um olhar de admiração. Reconheceu depois, para além de Afonso Pala, outras caras conhecidas entre os irmãos, nomeadamente Machado dos Santos, António José de Almeida, José Francisco, Afonso Costa e, por detrás do altar de madeira, Sebastião de Magalhães Lima. Um dos vigilantes pegou então na pedra, no malho e na pedra e colocou-os numa caixa de madeira, com o símbolo da maçonaria na tampa, onde já estavam um compasso e um esquadro.

– Receba, irmão aprendiz, estes instrumentos para que possa moldar com precisão a sua alma e a sua vida seja um exemplo de retidão, tornando-se assim uma pedra basilar desta Loja – concluiu o Venerável Mestre.

Carlos saiu depois da sala e trocou de roupa na Câmara de Reflexão. Tinha à sua espera um avental em tons esverdeados para trazer quando fosse convocado pelos irmãos para alguma sessão. Em relação à indumentária restante, sabia que era seu dever apresentar-se de calças negras e camisa branca.

Enquanto na alta esfera de influências os políticos se digladiavam por uma vaga no governo, o resto do país começava a fartar-se da classe política que tomara Lisboa. O descontentamento tornava-se cada vez mais barulhento, sobretudo nos jornais espalhados pelas capitais de distrito. O partido republicano era considerado fundamental no mapa político que se procurava desenhar depois do regicídio d’el-rei D. Carlos, mas perdia pela ausência de um líder consensual.

Carlos foi progressivamente aumentando a sua intervenção no movimento republicano, tornando-se assíduo nos comícios. Ajudava na sua preparação e na mobilização das pessoas. Chegado abril, em Setúbal, participou no congresso do partido que validou as intenções mais extremistas dos seus dirigentes em criar condições para tomar o poder à força. Distribuíram-se tarefas no sentido de organizar a maçonaria, a carbonária e a Junta Liberal, liderada pelo médico Miguel Bombarda, assim como na mobilização dos militares, sem os quais nada de significativo poderia ser alcançado. Como aprendiz maçon, Carlos passou a ter reuniões pontuais onde se discutiam questões relacionadas com a moralidade de interferir na direção política do país, tendo subjacentes as orientações da sociedade maçónica. Alguns mestres do Grande Oriente Lusitano estavam de algum modo ligados à política, tendo também interesses próprios.

Sombras de Silêncio #54

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