Sombras de Silêncio #31

Carlos segurou no filho e olhou em suplício para a mulher. Começou então a rezar pela saúde da sua família. A mulher gemia, o rapaz chorava e o sargento desesperava. Carlos chegou a pensar que preferiria estar numa guerra do que naquela aflição.

O médico chegou a fumar o seu charuto algum tempo depois. Era um homem de idade avançada e com um enorme bigode a encobrir-lhe a cara redonda. Foi de imediato inteirar-se de Joana e aconselhou Carlos a aguardar no corredor. Após meia hora de impasse, o médico foi ao encontro de Carlos e garantiu-lhe que a esposa não corria perigo de vida. Apenas precisava de descansar. Porém, advertiu que ela não poderia ter mais filhos, por existirem lesões graves. Alguns meses mais tarde um exame complementar num médico especialista haveria de confirmar o prognóstico. Carlos recebeu a notícia com alguma deceção e pediu ao médico para analisar também o filho, temendo que a pancada pudesse ter consequências nefastas. Após garantir e repetir que nada de errado havia com o recém-nascido, o médico pagou-se de mil réis e saiu, deixando-os num conforto de ilusões.

Pela manhã, Carlos saiu de casa um pouco mais atrasado do que o habitual; delongara-se a observar a tranquilidade do sono do filho. No caminho passou por uma tabacaria e comprou O Século, curioso por saber o que tinha acontecido aos revoltosos. Logo na primeira página o jornal fazia eco da revolução falhada e de mais um lote de dissidentes ilustres que tinham sido apanhados pela polícia. Segundo o jornalista, tudo falhou porque João Franco decidira ir passar a tarde em casa da sogra, na rua das Janelas Verdes. Os revolucionários, como não o encontraram na rua Alexandre Herculano, ficaram sem saber o que fazer ou onde procurar. Enquanto grupos de civis provocavam desacatos pela cidade, Afonso Costa, um proeminente político de ideais republicanos, o visconde da Ribeira Brava e o médico Egas Moniz, tinham sido presos perto do elevador da biblioteca, próximo à Câmara Municipal. Como o elevador já não funcionava há algum tempo, a polícia desconfiou das constantes movimentações e levou-os para a esquadra. A revolução ficava assim sem qualquer liderança. Quanto a João Franco, o jornal assegurava que tinha ficado na segurança do seu lar, dando instruções aos seus ministros por telefone. Naquele momento, Carlos percebeu que a força do poder tomou evidente supremacia sobre os sonhos de alguns e decidiu que nunca mais teria alguma participação num ato subversivo, por mais singela que fosse.

Sombras de Silêncio #31

Comentários