No quartel não se falava de outra coisa. As armas tinham sido confiscadas e foi ordenado a Carlos que nenhuma arma saísse da casa das armas. A polícia e a Guarda Municipal multiplicavam esforços no sentido de encontrar os revolucionários escondidos, movimentando os seus bufos por todas as vielas da capital. Por outro lado, os juízes de instrução criminal agonizavam ao lerem as listas dos presos. Como haveriam eles de julgar os amigos com os quais tomavam o chá ao fim da tarde? Por temer tal compadrio, João Franco foi lesto em endereçar para o palácio ducal de Vila Viçosa, onde o rei participava nas últimas caçadas às perdizes, um documento onde D. Carlos autorizaria a imediata deportação de todos os envolvidos nos atos dissidentes. A posição firme com que o Primeiro-Ministro parecia lidar com a situação convenceu o povo que as mudanças estariam demasiado longe e os insubmissos foram colocados entre a espada e a parede, ao verem os seus chefes à porta do desterro.
Na sexta-feira seguinte Carlos preparava-se para um fim-de-semana em família quando um soldado lhe pediu que se dirigisse ao gabinete do coronel Manuel dos Santos. Ficou a saber que no dia seguinte estava destacado para fazer segurança à chegada d’el-rei ao Terreiro do Paço. A instabilidade social aconselhava a mais precauções. Carlos escalonou de imediato dez soldados da sua confiança. Foi depois para casa, impaciente pela responsabilidade. Ao abrir a porta encontrou um papel no chão do corredor. Pegou-lhe, desdobrou-o e leu:
– Você sabe o que tem a fazer.
Carlos reconheceu a caligrafia rebuscada e inquietou-se. Quando Joana se aproximou já ele estava conformado em defender o Primeiro-Ministro, amarrotando vontades ressurgentes. Beijaram-se quase por engano e Carlos seguiu para junto do filho, que passara todo o dia a dormir tranquilamente no berço.
Quando os raios da manhã anunciaram a chegada do novo mês, o sargento seguiu lesto para o quartel. Vestiu o uniforme de gala e, pelas quinze horas, levou os seus homens até ao Terreiro do Paço, onde já estava muita gente à espera do rei. Perto das arcadas encontravam-se os dignitários da corte e algumas famílias nobres, conversando sobre a peça “Tristão e Isolda”, em cena no São Carlos. No meio da praça pombalina alguns oficiais estavam distribuídos em pequenos grupos.