Nos dias seguintes à explosão de 17 de novembro, Carlos esforçou-se por não encontrar os seus amigos e escusava-se a comentar a maledicência que percorria as ruas de Lisboa. Ficou também mais atento ao que se passava no quartel, onde descobriu que alguns dos seus colegas frequentavam reuniões suspeitas. Na cidade das sete colinas respirava-se a conspiração, imbuída pelo espírito democrático dos sonhadores e pelo interesse próprio dos devassos. Um frio intenso perpassava o reino e a morte espreitava entre a solidão enregelada das ruas.
Por algum tempo, mais escasso que o desejado, o sargento sentiu a calmaria envolver novamente a sua vida. Tentava cumprir os seus deveres e sonhava com o nascimento de um rapaz que cresceria forte e saudável num futuro promissor. No quartel, Carlos sentia que os seus subordinados começavam a olhá-lo como um amigo e não como um estranho que teve a sorte de ajudar a pessoa certa no momento oportuno. Já os seus colegas sargentos insistiam em duvidar da instrução que permitiu tão meteórica ascensão.
No seguimento da instabilidade social, temendo-se uma revolução, foi apertado o controlo sobre as armas disponíveis para os exercícios. João Franco decidira limitar a possibilidade de escolha entre os militares e reforçou a propaganda em favor do Estado, pressionando a elite militar.
Logo depois do início do ano novo, enquanto Carlos estava no seu gabinete, fechado num cubículo retangular com vista para nada, alguém se aproximou da porta e disse:
– Quando o momento chegar, certamente saberá o que fazer.
O sargento precipitou-se para a porta, mas não viu alguém. Sentiu no vento frio que passava os resquícios da vontade de José Francisco, vociferada a algum subalterno. Pressentiu a neblina a circundar a sua vida novamente. Desconfiava de tudo e de todos, pois por detrás do maior protetor da velha moral poderia estar um conspirador. Passou os dias seguintes refugiado na esperança de continuar incólume a qualquer incidente, dormitando a esperança que a criança nascesse saudável, sem risco ou prejuízo para Joana.
