Em meados do primeiro mês do ano, a barriga de Joana parecia querer reinventar a vida a qualquer momento. Carlos tratou de encomendar os serviços de uma empregada que a ajudasse nos seus afazeres domésticos. Avisou também uma parteira vizinha para a eminência do nascimento.
Na noite gelada de 21 de janeiro Carlos acordou com alguém que fazia estremecer a porta de sua casa. Era Alfredo Costa, que entrou com brevidade depois de se fazer anunciar.
– Desculpe a intromissão…
– Algum problema? – interrompeu Joana, especada no corredor e sobressaltada pelo tumulto.
– Não foi nada – disse-lhe prontamente o marido.
– Boa noite, minha senhora. Desculpe tê-la acordado – dedicou-lhe Alfredo, ainda ofegante.
Carlos temia que a qualquer momento a Guarda Municipal irrompesse pela porta, levando-o e negando-lhe o direito de estar presente no momento mais importante da sua vida.
– Preciso que entregue esta carta ao capitão António Teixeira, seu colega no quartel. Acredite que me custa, mas não tenho a quem mais recorrer e é fundamental que a mensagem seja entregue até amanhã. Muitas vidas dependem disso! – pediu Alfredo, dramatizando, numa tentativa de incutir-lhe o espírito da missão.
– Eu não sei…
– Oh, senhor Carlos, por favor! Olhe que não tem mal nenhum. É uma simples mensagem de gente que está a ser perseguida e que teme pela sua família. Conhece o capitão?
– Sim, conheço, mas é que… você pede-me para arriscar muito – respondeu Carlos, tendencialmente cada vez mais nervoso.
– Eu compreendo, mas não tenho alternativa. Pode deixar a carta por debaixo da porta. Assim não será descoberto – tentou resolver Alfredo.
– Ainda assim…
Alfredo deu dois passos na direção do sargento, olhou-o nos olhos e insistiu no pedido. Carlos acabou por ceder e o caixeiro entregou-lhe o sobrescrito, saindo logo de seguida. O lacre estava desfeito e a curiosidade impulsionou Carlos a ler a correspondência. Apesar de a imoralidade não lhe agradar, retirou o papel e abriu-o. As palavras estavam dispostas numa caligrafia distinta e rebuscada: «Está tudo arranjado. No dia 24 de janeiro, pelas 12 horas, leve os seus rachadores até à rua Alexandre Herculano. Que Deus nos ajude a salvar Portugal deste tirano!»
– Meu Deus, vai mesmo acontecer! – divagou Carlos.