Miguel vagueou pela calçada ao sentido do medo na noite fria e nebulosa, palmilhada por gritos de descontentamento. Conseguira sair da prisão, mas a cada passo incerto temia que abdicara de uma segurança relativa por uma mão cheia de nada. Passou tanto tempo preso que nem sabia quantos anos tinha ou em que ano o mundo estava. A vestimenta acinzentada encobria-lhe a magreza e a escuridão dissimulava-lhe os cabelos brancos; as rugas pintalgavam-lhe o rosto e por baixo dos olhos aprofundavam-se duas covas enegrecidas; de cabelo curto e barba aparada, olhava de soslaio para o mundo novo a cada incerteza.
Miguel seguiu pela valeta de uma rua ladeada de casas justapostas. As janelas de madeira estavam tapadas por cortinas coloridas que a luz do interior transparecia. Por ouvir impropérios ao virar de uma esquina, Miguel assustou-se e entrou por um portão entreaberto, atravessando à pressa um pequeno caminho de terra. Atrás da casa, Miguel espreitava entre a escuridão por uma oportunidade para fugir. A casa jazia num silêncio absoluto, apesar de uma luz acesa no piso superior garantir que estava ocupada. Na parte posterior existia um pequeno quintal, uma garagem e uma escadaria, com um gradeamento branco, que subia até ao primeiro andar.
Enquanto aguardava, a luz da garagem acendeu-se. Assustado, Miguel precipitou-se para trás de uma laranjeira. Logo depois, a porta da garagem abriu-se de par em par e apareceu um homem, que entrou de seguida no carro, um Volvo PV544. Ligou-o, acendeu as luzes e expôs Miguel. Sem saber o que fazer, o fugitivo deixou-se ficar por detrás da laranjeira à espera de um milagre. Todavia, o homem notou-o e, após alguns momentos de indecisão, desligou o carro e saiu expectante para o enfrentar. Miguel, apesar de suspeitar que o homem vinha para si, não se mexeu.
– Quem és tu? – perguntou.