Ainda antes de ser de novo levado ao inspetor Fernando Sousa, cortaram-lhe o cabelo, desfizeram-lhe a barba e obrigaram-no a tomar banho. Miguel ficou por fim apresentável para que lhe tirassem a sua primeira fotografia. O inspetor tentou depois preencher os espaços em branco com um segundo interrogatório, mas tal revelou-se infrutífero. De discurso errático e evasivo, Miguel ia garantindo que não era quem afirmou ser. Na verdade, ele já nem se lembrava do nome a quem usurpara a identidade. Depois, instado a revelar a verdade, baralhava-se, confundindo ainda mais o inspetor e os guardas. A todos, Miguel começava a parecer mais idiota do que comunista. Porém, não sabiam se tal era natural ou forçado. De qualquer forma, a lei mandava desconfiar e punir. Sempre dispostos a intervir, os guardas revezavam-se nas intimidações. Miguel ia jurando as suas verdades e resolveu voltar à história da amizade que o ligava ao senhor que olhava sobranceiramente do quadro na parede. Todavia, o suposto despautério apenas deu azo a mais escoriações.
Ao cabo de quase duas horas, o inspetor chegou à conclusão que Miguel não estava disposto a colaborar na delação do paradeiro de outros comunistas e deu por concluído o interrogatório, ordenando que Miguel deveria ficar retido, por tempo indeterminado, até que a verdade fosse apurada. Miguel, ainda bastante combalido pelo trato, não compreendeu de imediato a dimensão do veredicto, desconhecendo inclusive o significado de algumas palavras. Porém, o guarda Costa, depois da saída do inspetor, tratou de lhe transitar a sentença em bordoadas. Miguel foi depois levado até à cela que lhe estava destinada. Para além de um colchão impregnado de solidão, o espaço tinha ainda uma lata para as necessidades, um lavatório de ferro e uma janela pequena, protegida por um gradeamento de ferro, que permitia ver o pátio e o céu que se estendia para além daquele lugar esquecido. Apesar de tudo, as condições estavam bem acima daquilo que ele experimentara no Segredo. Miguel permaneceu no colchão, assustado e impotente.