Sombras de Silêncio #18

Carlos voltou-se de novo para a mesa, em perfeita inquietude mental e revirou a memória na tentativa de se lembrar do apelido que lhe escapava, entre a penumbra do esquecimento. Desde pequeno que tentava combater as pequenas obliterações da lembrança que lhe encaneciam o espírito. Agastara-se por várias vezes sobre o segredo dos homens que possuíam o dom da palavra sem falhas e que até para os simples cumprimentos dispunham de uma oratória imaculada. No pequeno interregno que se seguiu, considerou a leitura como o alicerce da arte de perorar e decidiu que passaria a ler mais. Talvez assim as palavras se tornassem menos incertas e até os apelidos surgissem nos momentos oportunos.

– Os senhores desejam tomar alguma coisa? – perguntou um empregado, que, entretanto, se aproximara da mesa.

– Eu tomo um café – respondeu Alfredo –, e você?

Carlos, alheado sobre a identidade do homem, não ouviu a pergunta. Nem sequer se apercebera da chegada do empregado.

– Senhor, ainda está connosco? – perguntou José, tocando-lhe levemente no casaco.

– Já sei… era o Aquilino Ribeiro! – afirmou Carlos num tom baixo, sorrindo em triunfo.

– Confesso que não conheço tal sujeito – respondeu José, num tom solene.

– Não conhecem? Ele escreve para o jornal A Vanguarda. Por certo já ouviram falar.

– Sim – confessou José –, já tive oportunidade de ler qualquer coisa desse jornal, embora não conheça quem escreve os textos.

– E o senhor, já leu? – perguntou Alfredo.

– Talvez… alguns colaboradores sejam demasiado vanguardistas – respondeu Carlos, num tom formal.

– Diz-se que é apoiada por republicanos – comentou José.

– Ai sim? – admirou-se Carlos, ainda que conhecesse o facto.

– E o senhor, o que pensa dos republicanos? – questionou Alfredo.

A pergunta ensimesmou-lhe os sentidos e a prudência afagou-lhe o espírito. Considerou então que aqueles homens estariam ao serviço de algum ministério do reino, investigando possíveis ameaças de índole republicana que proliferavam pela capital.

– Nada que ameace a vida, ou a autoridade, d’el-rei D. Carlos pode ter o meu apreço ou consideração. Parece-me que essa gente está a precisar de ferro no corpo como de pão para a boca.

À sua volta formou-se um silêncio inquietante e todos trocaram olhares sub-reptícios. Carlos respirou as incertezas e esperou pelas reações, arrependendo-se então de ter aceitado o convite.

– Muito bem, senhor Carlos, que ninguém duvide do seu patriotismo – disse José, mostrando um sorriso afável.

Sombras de Silêncio #18

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