A agitação social elevava-se entre a poeira dos brandos costumes. Nas esquinas do reino conspirava-se o destino, mas Carlos e Joana mantinham-se tranquilos. Pelo menos até uma tarde soalheira de janeiro de 1907, quando Alfredo Costa lhes bateu à porta de casa, convidando Carlos para tomar um café. Alfredo era um sujeito de bigode meticuloso e olhar alegre, que se dizia amigo de alguns colegas do sargento. Já tinha trabalhado nos armazéns do Chiado, mas no momento era caixeiro. Carlos acabou por aceder ao pedido e seguiram juntos até ao Café Gelo, no Rossio. Pelo caminho, esquivando-se ao olhar piedoso de mendigos que se arrastavam pelas ruas, Alfredo revelou que conhecia o episódio heroico de Carlos em África. O sargento, ainda que acreditasse que a divisa o obrigava a defender a vida do governador, deixou florescer um pouco de vaidade num balanço de intenções desconhecidas.
Entraram depois no Café Gelo e seguiram até uma das últimas mesas, próxima a uma porta que dava para a cozinha, onde dois homens já estavam sentados. Os empregados do café, engalanados nas suas camisas brancas de mangas esquálidas, deambulavam de forma solícita de um lado para o outro.
– Senhor Carlos, como está? – disse José Francisco, levantando-se e cumprimentado o sargento com um aperto de mão firme. A indumentária fazia dele um homem de inequívoca elegância. A cara era magra e o cabelo curto pendia para o negro, tal como o bigode.
– O homem por detrás da lenda – observou Manuel Buíça, o outro homem sentado à mesa, de aspeto menos cuidado, com barba comprida, cabelo castanho-desgrenhado e um olhar profundamente azul.
– Receio que tal não seja verdade – respondeu Carlos, tentando esconder a vaidade.
– E ainda por cima humilde – interveio Alfredo.
– Mas sente-se, senhor – disse José, empurrando uma cadeira na direção de Carlos, que acedeu ao pedido. Atrás de si levantou-se então um homem, fazendo ranger a cadeira e arrastando um pouco a mesa, despertando a atenção e desconfiança de Carlos.
– Aquele não é o Aquilino? – perguntou o sargento, admirado, enquanto o homem abandonava o café.
– Quem? – indagou Alfredo, fitando José.
– O Aquilino… qualquer coisa.
– Não sei de quem fala – respondeu Alfredo.