Sombras de Silêncio #174

– Oh, sorte malvada! Um reino por um capricho! Que interessam os reis, as princesas, as fadinhas e tudo o resto, quando tudo é um vazio profundo. Ficaremos aqui os dois p’ra sempre, numa vida de amor e carinhos, meu príncipe – concluiu a princesa Sibela.

Enormus, Hércules e a princesa Destinus saíram então da torre, fechando a princesa Sibela e a vida de Estupidus a sete chaves de resignação.

– E assim, os espertos viveram felizes p’ra sempre, enquanto os outros empobreceram de amor – concluiu Hércules a encenação, perante os aplausos do público.

Os atores deixaram então as amarras fantasiosas, quebraram as barreiras temporais e agradeceram a afabilidade dos condeixenses. Enormus aproveitou depois para agarrar no chapéu salarial e passou-o pelo público. Já depois de os espetadores saírem e de os atores se despirem das suas personagens, Saraiva chegou-se por detrás de Miguel e pregou-lhe um calduço. O rapaz deu dois passos em frente e por pouco não caiu no chão. Rui, ao aperceber-se da situação, julgou que era tempo acertar contas com o desconhecido e avançou sobre ele, mas foi travado pelo pai, que queria ter a primazia no tratamento.

– Então foi isto que combinámos? – perguntou Saraiva, baloiçando as mãos nervosas.

Miguel baixou o olhar e não arriscou dizer alguma coisa.

– Deixa-te de brincadeiras rapaz, ou vais ver como elas te cantam! ‘Tás armado em chico-esperto? Vê lá se não te sai o tiro pela culatra! Eu não sei lá muito bem o que vai nessa tua cabecinha de rola, mas aviso-te desde já, pela primeira e última vez, que a minha filha não é p’ró teu bico. Ela ‘tá guardada p’ra um doutor, não é p’ra um borra-botas como tu! – ameaçou Saraiva, passando o polegar pelo pescoço.

Miguel ainda esteve para o confrontar e dizer-lhe que ele era também um doutor, mas faltou-lhe a coragem, mantendo-se cabisbaixo. Acabou apenas por abrir um sorriso nervoso, encarando Ritinha de soslaio.

– Vai-te rir p’ra quem te deu de mamar! – concluiu Saraiva.

Após os avisos, Saraiva considerou que o rapaz ainda não tinha percebido a sua vontade e decidiu que o melhor seria privá-lo da ceia e mandá-lo fazer a cama onde haveria de se deitar. Ana foi buscar dois cobertores e entregou-lhos, para que ele se enrodilhasse neles por debaixo da carruagem onde dormiam os dois irmãos. Miguel, sem o dizer, até julgou a ideia bastante interessante, já que estaria mais perto de encontrar o amor nos seus sonhos.

Sombras de Silêncio #174

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