Sombras de Silêncio #165

Miguel foi para casa a saltitar pela vida, radiante por ter sido capaz de vergar Hércules à sua vontade, sem revelar qual era o seu verdadeiro propósito e tal como o professor lhe ensinara. Naquela noite, Miguel não chegaria a dormir e ainda o sol não se tinha levantado já ele estava com a mala aviada, não obstante tratar-se de pouquíssima ropua. Antes de sair de casa, bateu à porta de Zé Mingos e contou-lhe que poderia estar de saída, convidando-o a selar as contas. Passou depois pela Faculdade de Direito e informou também Antero da sua decisão, que já sabia da novidade. Ambos o tomaram por ingénuo e tentaram dissuadi-lo, lembrando-o da vida certa que ali tinha e que iria trocar por um abismo de incertezas. Miguel confirmou a veracidade da sentença, mas acrescentou depois que Ritinha era a rapariga mais bonita do mundo. Miguel ainda perguntou pelo professor António, mas Antero desconhecia o seu paradeiro. Antero haveria de o encontrar pela tardinha, adiantando-lhe a possível partida do rapaz.

Miguel seguiu depois para o parque, numa mescla de sentimentos que nunca antes experimentara e disposto a aceitar o destino. Rogava apenas a Nossa Senhora para lhe abençoar a mudança. Da última vez que decidira enveredar por um caminho diferente sentira muitas dificuldades no início, mas acabara por conseguir o que queria. Entre o sonho e a vida, ao descer a rua ao encontro do seu futuro, Miguel seguiu esperançado que haveria de fazer vingar a sua vontade no conforto do amor. Quando chegou ao parque, o patriarca Saraiva já tinha tomado a decisão de o aceitar como empregado. Porém, levou-o por um emaranhado de perguntas sobre a sua vida, cujas respostas se mostraram muito apelativas à sua determinação. Ao saber que iria passar o tempo com Ritinha, Miguel subiu ao céu. Com os pés bem assentes no chão, regressou à antiga casa e à universidade para confirmar a sua partida de Coimbra.

Após o último espetáculo, na noite de quinta-feira, Miguel ajudou na desmontagem do cenário e na arrumação do material nas carruagens, trocando olhares fugidios com Ritinha. Antes do amanhecer do dia seguinte, transpôs pela última vez porta da casa onde estivera durante quase dois anos e foi ao encontro dos artistas, seguindo depois na carruagem conduzida por Saraiva. Miguel notou algumas mudanças no comportamento de Ritinha, que aparentava não estar muito satisfeita com a situação, não lhe devolvendo os sorrisos e ignorando até a sua presença. Porém, Miguel entendeu a sua artimanha, no sentido de evitar que o amor dos dois fosse descoberto pela família, em particular pelo irmão, que mantinha a desconfiança e o mau-humor.

Sombras de Silêncio #165

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