Sombras de Silêncio #164

Subjugado pela evidência que o interesse era recíproco, mas cercado por uma névoa de dúvidas apalermadas, Miguel começou a reunir coragem para ir falar com Hércules. Num momento de abandono de quem tinha sido, Miguel deu um passo em frente e fez notar a sua presença, perante o olhar desconfiado, curioso, indiferente e esperançoso dos quatro membros da família Caricatus. Ritinha mantinha-se por detrás das cortinas, à espera da felicidade.

– Rapaz, que queres? – perguntou Hércules.

– Eu gostava de trabalhar… no circo – respondeu Miguel, a tremelicar de expetativas.

– Tu és estúpido ou estás apenas a fazer-te? – intrometeu-se Enormus, ressabiado.

– Eu sou estúpido; gosto do circo e queria saber se tem trabalho p’ra mim – insistiu Miguel, revelando uma audácia quem nem ele sabia que tinha.

– Pronto, mas tu não vês que isto é uma família. E tu, que eu saiba, não fazes parte! – interveio Hércules.

Miguel ficou preso à evidência e apenas esboçou um sorriso de deceção.

– O gato comeu-te a língua? – retornou o herói.

– O gato me comeu a língua. Eu gostava de trabalhar num circo, mas se o senhor me quiser então volto p’ra trás – respondeu Miguel, confuso sobre o estranho provérbio, mas resoluto na vontade.

– Então vai e nom chateies mais! – gritou-lhe Enormus, com o sangue a ferver.

Ritinha não percebera algumas partes do diálogo entre os envolvidos. Porém, entendeu claramente qual era a intenção do irmão e pressentiu que o seu sonho estaria a esfumar-se. Miguel percebeu a mensagem e deu um passo para trás, desviando o olhar para uma tristeza inevitável.

– Já te avisei p’ra te meteres na tua vida! – ameaçou Hércules, levantando a mão e fazendo o filho recuar na afronta. – Ouve lá, ó rapaz, e o que é que tu sabes fazer?

– Eu posso ser o pricepe – respondeu de imediato Miguel, agradado pela reviravolta e testanto uma ideia lhe que florescera durante a tarde.

– Ah?! Podes ser o quê? – questionou de novo o homem.

– Eu posso ser o pricepe da stória – retorquiu Miguel.

– Uma coisa é certa, tu és um rapaz engraçado! – retornou Hércules, provocando uma brisa de riso nos intervenientes.

Miguel também abriu o sorriso, esperançoso que a recente empatia pudesse resvalar numa oportunidade para ficar com Ritinha.

– Não sei porquê, mas vou com a tua cara. Vamos fazer o seguinte: passa por cá amanhã, antes do meio-dia, e voltaremos a falar – concluiu Hércules, para assombro de Enormus e da princesa Sibela.

Sombras de Silêncio #164

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