O professor passou a mão pelo cabelo, puxou do relógio de bolso e confrontou as horas com os seus compromissos. Pediu-lhe depois que o acompanhasse. Miguel foi atrás dele e não conseguiu resistir a revelar que também ele tinha um relógio de bolso, que fora a única coisa que o pai lhe deixara. Contudo, o professor não lhe prestou atenção. Passaram pela Faculdade de Medicina, sob o olhar curioso de homens empoleirados em preconceitos, e chegaram à Sé Nova. Entraram de seguida numa barbearia e o professor pediu ao dono que um dos empregados tratasse de desfazer a barba e aparar o cabelo a Miguel, enquanto ele se ausentava por alguns momentos. O homem ainda olhou desconfiado para o rapaz, mas anuiu. Miguel sentou-se na cadeira almofadada, defronte do espelho, e foi vislumbrando o futuro em expetativas.
Cerca de meia hora depois, Miguel, já recomposto e de esperança renascida, viu regressar o professor com um saco de roupa, adquirida numa loja de segunda mão. Miguel demorou a acreditar que seria para ele estrear e sentiu-se a pessoa mais abençoada do mundo. Por fim, o professor pediu ao barbeiro que lhe vendesse uma navalha de desfazer a barba e pagou os serviços. Saíram os dois logo depois e desceram por uma rua em direção à Sé Velha, parando um pouco antes.
– Esta foi a primeira casa onde estive em Coimbra e o meu quarto era aquele, por detrás daquela janela – apontou o professor.
Miguel ia sorrindo e acenando, sem perceber qual era a intenção do professor, que bateu de seguida na velha porta de madeira. Esperaram cerca de um minuto em silêncio, até que surgiu um homem de bengala, já avançado na idade.
– Oh, senhor Dão, que anda a fazer por estas bandas? Não me diga que estava com saudades? – balbuciou o homem, de olhos castanhos esquecidos, testa prolongada e um bigode reticulado.
– Meu velho amigo Zé Mingos, venho propor-lhe um negócio. Já arrendou o sótão a alguém? – perguntou o professor.
O homem desviou o olhar para o rapaz e tentou avaliar a perspetiva de negócio. Apesar de num primeiro instante ficar um pouco dececionado com a aparência descuidada, considerou que nada lhe custava escutar a proposta.
– Isto, aqui que ninguém nos ouve, já não é nada como antigamente. Os estudantes de agora já não ficam em qualquer sítio. Aquilo é pequeno, é certo, mas sempre dá p’ra desenrascar, na minha maneira de ver as coisas – disse o homem.