Sombras de Silêncio #143

Miguel decidiu por fim dedicar-se ao conhecimento da cidade à procura de um modo de subsistência. Perguntou a um transeunte e descobriu que tinha chegado a Coimbra, a cidade dos estudantes. Como a sua experiência escolar não tinha sido agradável, deixou que a imaginação se descontrolasse num pânico silencioso e temeu que a cidade estivesse subjugada pela vontade de homens pérfidos, como o professor Varadas. Parecia até que a providência o tinha castigado pelo abandono da mãe. Contudo, não quis desfeitear as suas dúvidas e decidiu arriscar-se no emaranhado de construções que se erguia à sua frente. Acreditou que os habitantes de Coimbra não permitiriam tal atrocidade, já que o sítio não lhe parecia ter sido esquecido por Deus.

Miguel deixou a ponte e seguiu pela esquerda. A beleza e elegância das casas impressionavam-no de sobremaneira. Caminhou boquiaberto pela avenida repleta de pequenas lojas, com muitos homens fincados à entrada ansiando por notícias da intentona. Miguel mal era notado e pouco interesse lhe era dedicado, já que a aparência não fazia adivinhar qualquer tipo de lucro. Encontrou depois o Arco de Almedina e subiu pela rua íngreme do Quebra-Costas até chegar à Sé Velha. Permaneceu no fundo da escadaria e foi contornando os arcos da fachada com o olhar, lamentando que a porta estivesse fechada. Alheios ao deslumbramento de Miguel, os habitantes deambulavam pelos seus afazeres.

Miguel continuou o seu percurso e prosseguiu até encontrar uma escadaria elegante, controlada por uma senhora de olhar seletivo e austero, que o levou ao topo da colina. Descobriu então num vasto espaço plano, ladeado por edifícios antigos que culminavam numa escadaria ampla. Fixou primeiro o olhar sobre o rio que serpenteava pelo vale e recordou o seu Tejo. Seguiu depois até ao centro da praça e ficou a observar os homens que por lá cirandavam com as suas capas negras, altivos na pose e no vestuário. Estranhou o facto de eles serem muito parecidos entre si, como se fossem gêmeos da vida ou do trabalho. Agradava-lhe a ideia de ninguém o conhecer nem haver interesse sobre qual tinha sido o assunto que o trouxera ali. Sentia que o seu passado fora apagado, como se apagavam as letras numa ardósia da escola, e somente a ele competia reescrever a sua vida, para o bem ou para o mal.

Sombras de Silêncio #143

Comentários