– Como os tempos mudaram! Já que não tens joia, fazemos assim: nos próximos domingos virás trabalhar p’ra mim, ajudando nas sementeiras. No fim poderás começar a namorar a minha filha. Pode ser?
Miguel olhou para o primo e não soube o que dizer, acabando por acenar afirmativamente com a cabeça, conforme lhe indicara Simão. Logo depois, Ventura inclinou-se para Simão e perguntou-lhe se ele também queria pedir alguma coisa, mas ele declinou.
Nos domingos seguintes, Miguel passou a trabalhar para Ventura em serviços que já conhecia, indo almoçar inclusive à sua casa. Durante os repastos, Cristina fixava demoradamente os olhos nele, o que na sua dimensão tímida lhe provocava algum desconforto. Arnaldo ficou desagradado com a mudança e só a aceitou depois de Joana o ter convencido de que o trabalho não ficaria por realizar. A mãe decidiu ainda que deveria dar-lhe alguns conselhos sobre como lidar com uma mulher, por percebê-lo um pouco imaturo e inexperiente no jogo do amor. Algum tempo depois, Simão, através de longas e morosas negociações, conseguiu convencer Ventura a deixá-lo namorar com Clotilde sem ter de lhe prestar serviços ou oferecer prendas.
No final das sementeiras, Simão persuadiu o futuro sogro a deixar sair as filhas para uma pescaria junto à foz do rio Ota. Era uma tarde de domingo, nos últimos dias de maio, e o calor convidava a um mergulho longe dos olhares curiosos as irreverências juvenis. Ambas vestiam saias escarlates que se arrastavam pelo chão, usando ainda umas camisolas que lhes cobriam os braços. Simão e Miguel levaram as suas canas-da-índia artesanais com expetativas distintas para a pescaria. Juntos no início, tardou pouco tempo até que se separassem em dois grupos consoante os desejos evidentes. Simão e Clotilde puseram-se a montante num pedregulho que se elevava sobre o rio, enquanto Miguel e Cristina mantiveram a posição. A rapariga bem tentava meter conserva com ele, procurando saber quais eram os seus gostos. Enquanto ansiava por se dedicar em silêncio à pesca, Miguel ia libertando monossílabos. Corado e nervoso, desejava ter interregnos infindos para repensar as respostas.