Sombras de Silêncio #132

Miguel desconhecia que conversar com uma rapariga pudesse ser tão difícil. No meio de alguma desorientação, quis revelar que, ao contrário do que alguns pensavam dele, era uma pessoa esperta e capaz de discutir de forma inteligente qualquer assunto. Começou então por dizer aos tropeções que deveriam ter algum cuidado com os peixes do rio, justificando-se com o facto de que Deus deitara o sal na água do mar para nos avisar onde se devia pescar, estando o animal já temperado. Cristina estava admirada com o que Miguel dizia, ciente de que ele seria ainda menos ajuizado do que ela inicialmente julgara. Ele, fundado nos sorrisos dela, sentiu-se incentivado a continuar as dissertações sobre a vida e as suas patranhas. Ela já pouco escutava, visualizando outros cenários mais ternurentos.

Quando Cristina notou que a irmã e Simão tinham abandonado a pescaria e aproximavam-se em carinhos, quis também aproveitar a oportunidade. Como era a irmã mais velha, seria até vergonhoso ficar atrás nas investidas amorosas. À sombra dos amieiros, fincou os braços na terra e foi dando pulinhos ligeiros até se colocar ao lado de Miguel, pousando depois a mão direita sobre o joelho dele, acariciando-o. Ele entesou as mãos na cana e ficou assustado com o acometimento, espreitando de soslaio para Cristina. Acabou apenas por sorrir. Cristina sorriu também e foi baloiçando a mão pela perna dele, pousando-a depois sobre as virilhas e apertou com alguma força. Ele sentiu um arrepio tremendo e impulsionou instintivamente os braços para trás, retirando à pressa o fio da água. Acidentalmente, o anzol ficou presou na cara dela e Cristina caiu para trás com as dores, gritando para lhe acudirem.

Assustado e sem saber o que fazer, Miguel levantou-se e ficou a vê-la contorcer-se, tentando retirar o anzol. Simão e Clotilde vieram logo em seu auxílio e ele conseguiu livrá-la da agonia, deixando-lhe um rasto de sangue na cara. Ainda dorida e com o orgulho ferido, Cristina desatou a enunciar alguns nomes menos próprios, culpando Miguel pela situação e adiantando que os dois nunca haveriam de namorar. Miguel ficou bastante confuso com as alarvidades bestiais que ia escutando, mas não reagiu. Apesar do revés, que de certeza iria entristecer a mãe, Miguel considerou que o fim do namoro talvez não fosse assim tão mau. Concluiu que as mulheres davam muito trabalho para conquistar e depois, ainda que parecessem disponíveis e afáveis, eram difíceis de contentar. Cristina pediu depois à irmã que a acompanhasse no regresso a casa. Simão, receoso pelos desenvolvimentos, correu atrás delas para minimizar os estragos provocados pelo primo, receoso que Ventura quisesse manter a ideia matrimonial inicial.

Sombras de Silêncio #132

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